Como eu tenho dito, não trato de corrupção fazendo pose de moralista, pois procuro pensar esse problema de forma analítica. Faço isso por entender que somente o aprimoramento das instituições pode efetivamente coibir a corrupção, posto que exortações morais não podem dar consciência a políticos capazes de armar falcatruas gigantescas, como se viu no caso do mensalão. A utilidade dessas exortações é motivar as pessoas a irem para a rua protestar contra a impunidade, conforme já aconteceu várias vezes nos últimos anos, e aí reside a sua importância positiva. Mas o papel de um acadêmico não é "pôr a massa na rua", tal como pensam os "intelectuais engajados", e sim analisar os problemas políticos.
Nesse sentido, procuro seguir a linha de pensamento de autores como o filósofo José Arthur Giannotti. Numa interessante entrevista concedida à finada revista Primeira Leitura, logo depois que Roberto Jefferson jogou luz sobre o esquema, Giannotti anteviu perfeitamente que Lula receberia um tratamento bem distinto do que fora dado à Collor.
Uma das defesas do PT, do governo e do Legislativo é que a corrupção sempre houve, em todos os lugares, desde a Grécia, de César a Napoleão. A política implica corrupção. Eu gostaria de lembrar que existem formas diferentes de ela se manifestar. Mesmo quando nós comparamos a corrupção do governo Collor com essa de agora, trata-se de coisas diferentes. O Collor era um outsider. Ele vinha jogando de fora do sistema político. Para trazê-lo para si, tenta comprá-lo. O PT não é um outsider. É parte inerente ao sistema. Então, essa crise que se reduz a uma compra de tráfico de influência [...] é, sim, uma crise do sistema político como tal. No caso de Collor, foi o sistema político que chegou para ele e disse: "Você vai para a rua". Esse sistema se protegeu. Agora, não. Vamos supor que nós descobríssemos coisas imperdoáveis do próprio Lula, que ele fosse acusado de ter feito falcatruas ele mesmo. Não creio que haveria impeachment nem assim. Porque o impeachment é um processo político. O impeachment não teria os dois terços necessários na Câmara (Giannotti, 2005, p. 34).
Os desdobramentos do caso provaram que ele estava certíssimo. Collor sofreu impeachment porque era um político jovem eleito presidente por um partido minúsculo, um verdadeiro outsider do sistema. No caso de Lula, o sistema político - que inclui os partidos de oposição, é óbvio - protegeu-se com tanto afinco que fez de tudo para não haver qualquer possibilidade de serem descobertas eventuais "falcatruas" cometidas por ele. Durante a chamada CPMI dos Correios, por exemplo, considerou-se irrelevante o fato de que Lula assinou documentos que beneficiavam o esquema criminoso do mensalão. E também não houve a quebra do sigilo bancário de Lula e de Paulo Okamoto, apesar de evidências sugerirem que parte do dinheiro do mensalão poderia ter ido parar na conta do então presidente pelas mãos deste último. Mesmo com todas essas precauções, Duda Mendonça confessou ter recebido dinheiro ilegalmente para fazer a campanha de Lula, mas nem assim houve sequer a abertura de um processo de impeachment!
E ainda tem cientista político que usa o mensalão para dizer que nossa democracia amadureceu... Piada de mau gosto e propaganda petista disfarçada de análise política.
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GIANNOTTI, J. A. Giannotti lê uma crise inédita na República. Primeira Leitura, São Paulo, n. 41, jul. 2005. Entrevista concedida a Reinaldo Azevedo.
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