Algumas pessoas ficaram irritadas quando eu comparei os autodenominados "intelectuais militantes" com os criacionistas (aqui). Mas é só ler os textos e posts publicados neste blog para encontrar inúmeras demonstrações de como os pesquisadores e professores selecionam bibliografias e informações com o fim deliberado de comprovar que as teorias e ideologias anticapitalistas estão certas.
Ainda assim, se alguém achar que continua faltando provas disso, recomendo que leia o texto Geografia e dialética, de Raymond Guglielmo. Ele não é considerado um geógrafo crítico, pois pertencia à corrente denominada "geografia ativa". Mas, francamente, uma das poucas diferenças significativas que se vê entre as ideias expostas por ele e os pressupostos fundamentais da geocrítica é que ele ainda mantinha a visão clássica da geografia como ciência simultaneamente natural e humana, ao passo que os geocríticos afirmavam ser essa uma ciência social mesmo (Diniz Filho, 2003). Tirando isso, o uso que Guglielmo fazia do marxismo era em tudo compatível com o uso feito pelos geógrafos críticos. É o que se vê na sua presunção de que as teorias marxistas têm uma eficácia explicativa quase óbvia e na concepção maniqueísta de que qualquer negação dessa verdade só pode ser fruto de má-fé. Vejamos as palavras dele:
[...] desde o penoso início foi fácil perceber que o simples estudo científico de certos problemas (os de erosão dos solos, por exemplo) tornaria evidente a responsabilidade do sistema capitalista pela exploração predatória dos recursos naturais. Desde então a indiferença pelos progressos da geografia física será substituída pela hostilidade (Guglielmo, 1980, p. 30-31).
Eu pensei que o estudo da erosão identificava e quantificava os processos de remoção das camadas superiores do solo pela ação de fenômenos climáticos, tais como chuvas e ventos. Isso, mesmo quando provocado ou intensificado pela ação antrópica, nada tem a ver com o sistema social vigente, qualquer que seja ele. Mas, na cabeça de Guglielmo, assim como para nove entre dez geógrafos atuais, a lógica do capitalismo tem de levar necessariamente à "exploração predatória dos recursos". Então, se há erosão em país capitalista, só pode ser culpa do capitalismo. Mas o mesmo raciocínio não vale se a sociedade for socialista, pois, nesse caso, ou é impossível haver problemas ambientais, ou esses problemas terão alguma explicação não econômica.
Nesse sentido, embora o autor diga que os estudos de geografia física demonstram de maneira evidente a culpa do capitalismo nos problemas ambientais, isso não é verdade de jeito nenhum! As ciências da natureza constroem explicações que nada mais são do que representações tão eficazes quanto possível dos fenômenos naturais, sendo que por "eficácia" deve-se entender a capacidade de descrever os fenômenos de forma detalhada e logicamente coerente com as observações empíricas. Não vou entrar no mérito de discutir os tipos de explicações científicas dos fenômenos naturais, pois o fato é que todas eles têm sua validade determinada pela capacidade de descrever os fenômenos dando coerência lógica às observações.
Já a ideia de que a busca do lucro e a lógica da acumulação de capital levam à destruição da natureza nada mais é do que uma versão ambientalista das teses anticapitalistas que começaram a vicejar na Europa do século XVIII, as quais eram próprias dos inimigos do capitalismo tanto à direita (no caso dos conservadores românticos) como também à esquerda! A demonstração dessas teses demanda estudos que só podem ser produzidos pelas ciências sociais, posto que os fenômenos da natureza, assim como as teorias que os representam, são completamente externos aos condicionantes do comportamento de indivíduos e grupos sociais.
Ah, sim! Guglielmo tentava aproximar os estudos em geografia física e humana utilizando o conceito de "dialética da natureza". Mas mesmo ele reconhecia que os dois ramos da geografia têm objetos e métodos diferentes, embora se destinassem a explicar a dialética da relação homem-natureza (idem, p. 27). Só que o texto dele foi publicado originalmente em 1955, época em que o debate filosófico sobre esse conceito ainda parecia fazer sentido. Mas os avanços das ciências naturais, entre outras razões, soterraram o projeto de explicar a natureza por meio da dialética marxista (Diniz Filho, 2002).
Bom, pelo menos ele ainda tentou buscar um referencial teórico-metodológico sofisticado para justificar suas afirmações, embora tenha tratado da dialética da natureza sem aprofundamento, ao menos nesse trabalho. Pior são os geógrafos de hoje em dia, que tentam culpar o capitalismo pela "crise ambiental" só com ideologia ou fazendo uma salada de marxismo, Fritjof Capra, Edgar Morin, e por aí vai...
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DINIZ FILHO, L. L. Certa má herança marxista: elementos para repensar a geografia crítica. In: KOZEL, S.; MENDONÇA, F. A. (org.). Elementos de epistemologia da geografia contemporânea. Curitiba: Ed. da UFPR, 2002.
DINIZ FILHO, L. L. A geografia crítica brasileira: reflexões sobre um debate recente. Geografia, Rio Claro, v. 28, n. 3, p. 307-321, 2003.
GUGLIELMO, R. Geografia e dialética. In: PINTO, G. J. M. Reflexões sobre a geografia. São Paulo: Edições AGB São Paulo, 1980.
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