quarta-feira, 26 de setembro de 2012

Marcos Valério nos dá nova chance de democratizar as instituições. Mas é pouco provável que aconteça

Conforme expliquei em posts anteriores, o escândalo do mensalão não significou nada em termos de consolidação da democracia ou das instituições brasileiras, visto que, de um lado, o sistema político protegeu-se de qualquer depuração que pudesse resultar das investigações e, de outro, o Ministério Público Federal - MPF, recusou-se a utilizar a prisão preventiva e a delação premiada para produzir provas concretas da montagem da "sofisticada organização criminosa" denunciada. O resultado é que quase nenhum das dezenas de políticos acusados de receber suborno e/ou de outras ilegalidades teve o mandato cassado pelo Congresso, não houve abertura de processo de impeachment contra Lula por conta das ilegalidades comprovadas nos gastos de sua campanha eleitoral e, por fim, a denúncia do MPF deixou Lula de fora do banco dos réus. Para piorar, a qualidade do Supremo Tribunal Federal - STF foi reduzida com as nomeações de Dias Tofolli e de Ricardo Lewandowski, ambos indicados por Lula e aprovados pelo Senado, conforme visto.


Apesar de tudo isso, é certo que o STF está impondo mais punições do que Lula e o PT gostariam. Isso ficou comprovado quando da condenação do deputado João Paulo Cunha (PT), que era candidato a prefeito de Osasco por esse partido e teve que desistir da candidatura, no meio da campanha, logo que saiu a condenação. Trata-se de um avanço da democracia e das instituições? Não, pois, uma vez que o escândalo do mensalão foi o maior da história republicana, pelo menos, desde a redemocratização, o mínimo que se poderia esperar era que a impunidade não fosse ampla geral e irrestrita, como desejavam Lula e o PT.

Ainda assim, a condenação de Marcos Valério pelo STF nos deu uma oportunidade para fazer com que, dos desdobramentos do episódio, consiga-se obter algum avanço para a democracia e a institucionalidade. Ao sentir-se abandonado pelos que lhe prometeram impunidade ou, no máximo, uma pena bem leve, ele decidiu cumprir a ameaça, que havia feito publicamente em 2005, de abrir o bico: revelou que o "esquema" movimentou muito mais dinheiro sujo do que os R$ 55 milhões descobertos pela Polícia Federal, posto que o montante verdadeiro alcançava pelo menos R$ 350 milhões; além disso, afirmou que Lula, e não José Dirceu, era o chefe da quadrilha responsável pelo desvio de dinheiro e suborno de políticos.

Ora, essa denúncia de que Lula era o líder de uma quadrilha não é nada surpreendente, pois vai ao encontro do que o jornalista Ivo Patarra já havia afirmado a respeito dele em 2010, em um livro cujo título não deixa nem sombra de ambiguidade: O Chefe. A novidade agora está no fato de a denúncia ter partido de um dos operadores da quadrilha no setor privado, Marcos Valério, pois isso confere à afirmação importância jurídica suficiente para justificar a abertura de novas investigações.

Agora vai?

Acho muito pouco provável que Lula vá ser investigado como Collor foi, mas essa investigação, independentemente dos seus resultados, seria condição essencial para que pudéssemos afirmar que o sistema político e a Justiça melhoraram nos últimos vinte anos. Tal improbabilidade se deve principalmente ao comportamento das oposições. Se não se dignaram a lutar efetivamente para que Lula fosse alcançado pelas investigações no auge do escândalo, por que fariam isso agora? E note-se que os partidos oposicionistas permaneceram calados durante todo o julgamento do mensalão no STF, tendo se manifestado para cobrar explicações de Lula e alardear uma possível volta das investigações apenas depois que o já condenado Marcos Valério abriu o bico. Se foi preciso uma bomba dessas para que as oposições lembrassem de uma bola que Ivo Patarra já havia cantado há anos, o que teria de acontecer para que uma nova investigação virasse realidade?

E vale também comentar a declaração do Procurador-Geral da República, Roberto Gurgel, de que as acusações de Marcos Valério podem vir a ser investigadas. Bem, se as avaliações do Procurador da República Manoel Pastana a respeito de Roberto Gurgel forem corretas, está mais do que claro que não vai haver investigação alguma por parte do MPF ou, no máximo, haverá uma investigação da qual não irá resultar nenhuma prova concreta de que Lula seja mesmo "o chefe". Já tratei disso em outro post (ver aqui), mas há outras evidências que Manoel Pastana apresenta para afirmar que Gurgel procede segundo uma lógica de um peso e duas medidas. O artigo completo está disponível aqui, mas vou citar dois pequenos trechos:
[...] No mensalão do DEM ele se esforçou ao máximo. Chegou a marcar encontro secreto (sem registro nos autos do inquérito) com o ex-governador de Brasília, José Arruda, atitude que Gurgel repeliu drasticamente quando o ex-procurador Roberto Santoro tentou ouvir uma testemunha, fora do expediente, que poderia chegar a José Dirceu.
[...] Também no mensalão do DEM, Gurgel insistiu contra tudo e todos, buscando intervenção no Distrito Federal, mesmo sabendo que se trata de uma medida judicial (com conteúdo político) extremamente complexa. Engraçado é que Gurgel alegou que não requereu instauração de inquérito contra Palocci para não colocar o MPF no debate político. E o pedido de intervenção no DF é questão menos política de que um simples requerimento de instauração de inquérito policial?

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