sábado, 20 de julho de 2013

Pesquisadores pacifistas adoram distorcer as teorias de que discordam

Acabei de ler um artigo sobre as causas da violência que me deixou pasmo pelo despudor com que certos cientistas e jornalistas distorcem as teorias de que discordam. O artigo completo está aqui, e vou comentar apenas as passagens abaixo:
Em 2011, o psicólogo canadense Steven Pinker publicou o livro Os Anjos Bons de Nossa Natureza, no qual defende que os antepassados humanos viviam envoltos em conflitos sanguinários, que só começaram a diminuir com o aumento da razão e do conhecimento, principalmente a partir do iluminismo. Os dias de hoje seriam os mais pacíficos de toda a história. Suas ideias foram rebatidas em um artigo publicado pelo primatologista holandês Frans de Waal, que mostrava não existir nenhuma predisposição genética à guerra, e que mesmo os outros grandes primatas eram capazes de conter a violência, sem necessidade de recorrer ao racionalismo. O homem seria naturalmente pacífico.
Na contribuição mais recente à discussão, publicada nesta quinta-feira, os pesquisadores finlandeses resolveram sair do plano teórico e analisar os tipos de assassinatos que eram cometidos entre os caçadores-coletores. Como não podiam estudar grupos que viveram há milhares de anos, eles se debruçaram sobre um banco de dados que reúne informações sobre 186 sociedades caçadoras-coletoras que sobreviveram até o século 20, como os Kung, no sul da África, e os Semang, na Malásia. Ao escolher de modo aleatório 21 dessas sociedades, eles se depararam com 148 mortes violentas. Apenas uma pequena parte delas, no entanto, teria sido causada pela guerra.
[...] Segundo os pesquisadores, a maioria dessas mortes poderia ser creditada a homicídios comuns, causados por disputas pessoais em vez de grupais. Pelo menos 55% dos assassinatos haviam sido cometidos de forma isolada — com apenas um assassino e uma vítima. Mais de dois terços de todas as mortes podem ser atribuídas a brigas familiares, competições por parceiros sexuais, acidentes ou execuções decididas pelo grupo, como punições a um roubo, por exemplo.
O artigo distorce as ideias de Steven Pinker de maneira vergonhosa! Esse autor não diz, de modo algum, que o homem é geneticamente predisposto à guerra. O que ele diz, com base na moderna biologia evolutiva, é que o homem, como qualquer animal, é uma "máquina de sobrevivência", o que implica duas conclusões importantíssimas. A primeira delas é que não existe uma violência de todos contra todos na natureza porque isso não seria vantajoso para a reprodução do DNA. De fato, matar um indivíduo da mesma espécie implica destruir uma sequência de DNA semelhante à do próprio assassino, e isso é ainda mais verdadeiro quando se trata de um indivíduo do mesmo grupo familiar. Essa é a razão pela qual a contenção da violência, em maior ou menor grau, está presente em todas as espécies. Nesse sentido, a segunda conclusão é que o recurso à violência acontece quando se afigura como estratégia vantajosa para cumprir os objetivos de sobreviver e se reproduzir programados nos cérebros de homens e animais pela evolução (Pinker, 2013). Assim, conforme eu expliquei no texto Steven Pinker e o debate Rousseau versus Hobbes, a violência entre homens resulta de três motivações: competição, difidência e dissuasão. E isso vale tanto para conflitos entre grupos como também no caso da violência entre indivíduos de um mesmo grupo! 

Nesse contexto, as estatísticas citadas no artigo confirmam as teorias de Pinker ao invés de negá-las! Afinal, se mais da metade dos homicídios se deve a ações individuais, isso só pode ser explicado por competição (como nas disputas por parceiros sexuais, mencionadas no estudo), por difidência (atacar um inimigo antes que ele ataque) ou por dissuasão (executar um ladrão, conforme mencionado, dá credibilidade à ameaça de que nenhum crime ficará impune).

Do ponto de vista da eficácia explicativa dessa teoria, não existe, pois, nenhuma diferença entre as disputas violentas praticadas por famílias e indivíduos de uma mesma tribo e as guerras entre tribos. Portanto, se entre os caçadores-coletores pesquisados os homicídios se devem principalmente a disputas internas, é porque os indivíduos dessas tribos veem oportunidades melhores de ganho e/ou riscos menores de retaliação nessas disputas do que no caso das guerras entre tribos.

E isso sem falar que o artigo dá a entender que as conclusões de Pinker são baseadas em teorias abstratas, enquanto o último estudo citado seria o primeiro a contar com evidências empíricas. Muito pelo contrário, esse autor afirma, com base em estudos sobre fósseis do gênero Homo e sobre o comportamento de primatas próximos ao homem (como chimpanzés e bonobos) que os primeiros homens praticavam a violência visando ganhos, os quais tanto podiam ser o território de um outro grupo quanto disputas sexuais (Pinker, 2013)!

O homem não possui nenhuma tendência natural a ser pacífico, tal como querem esses seguidores de Rousseau que distorcem as conclusões dos estudos científicos que os contradizem. Mas é justamente pelo fato de a violência ser estratégica para a sobrevivência e reprodução dos indivíduos que os processos históricos de elevação da produtividade do trabalho e de organização do Estado criaram sistemas de incentivos positivos e negativos que apaziguaram o comportamento humano, fazendo das sociedades modernas as mais pacíficas da história (Levitt; Dubner, 2007), como afirma Steven Pinker.

Postagens relacionadas:
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LEVITT, S.; DUBNER, S. J. Freakonomics: o lado oculto de tudo o que nos afeta. 1. ed. rev. atual. Rio de Janeiro: Elsevier, 2007. 

PINKER, S. Violência ancestral: uma discussão sobre a origem da agressividade. Piauí, n. 78, mar. 2013, p. 38-42.

2 comentários:

  1. Diniz,

    Neste artigo se procura desmistificar a ideia, amplamente aceita, de que a guerra é algo essencialmente humano. Na verdade, os estudos sobre primatas a respeito se contradizem:

    The origins of war: Old soldiers? | The Economist http://econ.st/13x8Lzw

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    1. É verdade. O problema do artigo está em distorcer as teses da biologia evolutiva utilizadas por autores como Pinker, visto que essa vertente de pensamento não diz que a guerra seja algo essencialmente humano ou determinado pelos nossos genes. E esses pesquisadores levam em conta os estudos sérios que são feitos com primatas para avaliar se a espécie humana está entre as mais ou as menos agressivas. Pinker, por exemplo, discute os trabalhos que apontam os bonobos como não-agressivos e, embora reconheça que estes são menos agressivos que os chimpanzés, mantém a conclusão de que o homem primitivo, assim como seus ancestrais hominídeos, praticavam a violência.

      No final das contas, o que a biologia evolutiva nos mostra é que a agressão e a cooperação são igualmente estratégicas para a sobrevivência e reprodução dos genes dos indivíduos, de sorte que o homem é ao mesmo tempo violento e cooperativo, sendo que a predominância de um comportamento ou outro depende, no plano social, do sistema de incentivos vigente.

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