quinta-feira, 14 de novembro de 2013

Resposta à propaganda do Colégio Medianeira

Não há dúvida de que a crítica do preconceito é um tema cultural e político importante, mas, quando realizada pelas lentes ideológicas dos inimigos do mercado, acaba levando a pelo menos dois tipos de distorção: o uso de acusações injustas de preconceito para difamar adversários políticos e proteger os "companheiros" de quaisquer questionamentos; e a conversão da hipótese de que o preconceito pode ser a causa de desigualdades reais ou supostas num dogma usado para explicar aprioristicamente toda sorte de diferenças entre indivíduos, especialmente as econômicas.


No post anterior eu apresentei um exemplo do primeiro tipo de distorção, a qual, no Brasil, já vem sendo usada por petistas desde os anos 1980 (ver aqui). Um exemplo do segundo tipo de distorção está implícito no marketing do Colégio Medianeira, em Curitiba, que pertence à Rede Jesuíta de Educação. Uma chamada comercial desse colégio no rádio diz o seguinte (vou citar de memória):
Por que será que algumas pessoas não olham nos olhos dos outros, mas reparam nas marcas das roupas que eles usam?
Um mundo melhor começa por fazer as perguntas certas.
A igreja católica, desde a Idade Média, tem uma visão fortemente negativa da economia de mercado, e isso não mudou no século XXI. Seja na leitura marxista dos evangelhos, feita pela abominável teologia da libertação, seja entre os clérigos mais conservadores, como o cardeal Joseph Ratzinger, o que se vê é uma luta milenar da igreja católica contra a economia de mercado. Quando ainda era Bento XVI, com efeito, Ratzinger chegou a afirmar que o lucro é uma forma de roubo, o que, por conseguinte, colocaria os empresários na posição de ladrões. Com um conservador desses, a igreja não precisa de nenhum comunista. E o atual papa Francisco, tido como progressista, deu recentemente uma entrevista na qual atribui à "ética do dinheiro" os males do mundo contemporâneo, a começar pelo desemprego. Nesse sentido, a estratégia de marketing do Colégio Medianeira é mostrar para os pais que essa instituição forma crianças cujos valores não se prendem à tal "ética do dinheiro", à ética do "ter em vez de ser", mas sim aos bons valores cristãos. 

É claro que alguém poderia objetar que essa crítica ao mercado não está explícita no comercial do Medianeira, que se ateve a criticar apenas o comportamento de pessoas que dão mais valor às marcas de roupa do que às relações humanas - eu, pelo menos, nunca conheci ninguém assim; e teria reconhecido esse tipo de pessoa se o tivesse encontrado, pois costumo vestir roupas velhas e que não são de marca... Todavia, há uma segunda chamada comercial do Medianeira que diz mais ou menos o seguinte:
Por que as mulheres recebem salários menores do que os homens mesmo quando fazem exatamente o mesmo trabalho?
Um mundo melhor começa por fazer as perguntas certas.
Intelectuais e militantes feministas e esquerdistas não param de citar essas diferenças salariais como forma de comprovar que o machismo ainda é imperante a ponto de estruturar as relações econômicas e/ou como forma de criticar a economia de mercado. Realmente, esse é o discurso que aparece com mais frequência nos meios de comunicação, de tal sorte que as diferenças salarias são vistas como marca evidente do preconceito. Nesse sentido, as duas chamadas comerciais do Colégio Medianeira, observadas em conjunto, indicam que o marketing dessa instituição é ideológico mesmo, pois faz uma leitura dos valores cristãos ajustada às críticas da esquerda ao capitalismo e aos supostos efeitos da discriminação de gênero no mercado de trabalho.

Isso é bastante ruim, pois o Medianeira procura atrair clientes com o discurso de que vai formar crianças que pensam de acordo com uma determinada visão ideológica da sociedade atual, e não pela qualidade do ensino que oferece. A doutrinação ideológica virou peça de marketing!

Respostas certas para perguntas certas

Apesar disso, seria possível usar essa mesma chamada comercial no rádio para fazer o caminho inverso, isto é, mostrar a importância de questionar as ideias fáceis do politicamente correto com base em observações rigorosas.

É o que se vê quando Paul Krugman e Robin Wells (2007) abordam a teoria que explica a distribuição de renda em economias de mercado como um efeito das diferenças na produtividade marginal do trabalho. Simplificando bastante, pode-se dizer que, quanto maior for a produtividade marginal do trabalho, isto é, a quantidade de valor que o último trabalhador empregado em determinada atividade acrescenta aos bens e serviços que ele produz, maior é a remuneração pelo trabalho, de modo que trabalhadores mais produtivos ganham mais. Logo, essa teoria é criticada com o argumento das diferenças salariais entre homens e mulheres que executam os mesmos trabalhos. Mas os autores afirmam que essa comparação entre a média salarial de homens e mulheres é equivocada porque não leva em conta a idade e o tempo de experiência dos trabalhadores.
É importante notar também que a educação formal não é a única fonte de capital humano; treinamento no próprio emprego e experiência também são muito importantes. Isso foi ressaltado por um relatório de 1999 da Fundação Nacional para as Ciências nos Estados Unidos, sobre diferenças de resultado entre engenheiros do sexo masculino e do sexo feminino. O estudo foi motivado por preocupação com o hiato salarial entre homens e mulheres; em média, os homens com diploma de engenheiro ganham 25% mais que as mulheres com diploma equivalente. O estudo mostrou que as mulheres engenheiras são em média mais jovens que os homens e têm experiência bem menor que suas contrapartes do sexo masculino. Essa diferença de idade e experiência, de acordo com o estudo, explicava a maior parte do diferencial de remuneração (Krugman; Wells, 2007, p. 257).
De fato, é sabido que a remuneração tende a aumentar à medida que um trabalhador acumula "tempo de casa". E vale dizer que as mulheres se inseriram no mercado de trabalho mais recentemente, sobretudo no que diz respeito às funções de maior qualificação. E não é incomum que mulheres abandonem o mercado de trabalho por alguns anos para cuidar dos filhos. Daí que, segundo se depreende da pesquisa citada por esses autores, comparar homens e mulheres que não só executam as mesmas funções como ainda têm a mesma idade e o mesmo tempo de experiência profissional indica que seus salários tendem a ser equivalentes, sim! Essa é uma lógica inerente ao funcionamento de mercados competitivos, ao contrário do que pensam os críticos de uma suposta prevalência da "ética do dinheiro":
A principal percepção que a análise econômica oferece é que a discriminação não é uma consequência natural da competição de mercado. Ao contrário, forças de mercado tendem a funcionar contra a discriminação. Para ver por que, imagine quais incentivos existiriam se convenções sociais ditassem que as mulheres recebam como pagamento, digamos, 30% menos do que homens com qualificação e experiência equivalente. Uma companhia que não tivesse ela própria esse preconceito seria então capaz de reduzir seus custos contratando mulheres em vez de homens. Essa companhia e outras do mesmo tipo teriam uma vantagem sobre outras companhias que contratassem homens a despeito do seu custo mais elevado. O resultado seria criar um excesso de demanda por trabalhadores do sexo feminino, que tenderia a impulsionar para cima os seus salários (Idem, p. 258 - itálico no original).
É verdade que a construção de um mundo melhor começa por fazer as perguntas certas. Mas só é possível chegar às respostas certas se, ao invés de fazer comparações muito gerais para confirmar uma suposição ideológica pré-concebida, houver a preocupação de seguir uma metodologia de pesquisa científica, o que implica comparar grupos homogêneos segundo o maior número possível de características para aferir a possível influência de um determinado fator explicativo, como seria o preconceito. A função da escola não é ensinar ideologias; é ensinar a pensar de modo rigoroso.

Postagens relacionadas:
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KRUGMAN, P.; WELLS, R. Introdução à economia. Rio de Janeiro: Campus, 2007. 

5 comentários:

  1. Diniz, veja este excerto:

    http://www.youtube.com/watch?v=hXS4v3gFmfg

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    1. Realmente, as conclusões de Thomas Sowell vão no mesmo sentido das conclusões de Krugman. Aliás, é interessante notar como as feministas e os racialistas usam o mesmo método de pensamento dos racistas, qual seja: aplicar a indução no exame de estatísticas pouco detalhadas e que comparam grupos extremamente heterogêneos de pessoas. Os racistas da primeira metade do século passado diziam: "a Europa é mais desenvolvida do que a África, logo, a raça branca é superior"; já os politicamente corretos dizem "homens brancos ganham mais do que negros e mulheres, logo, esses dois últimos grupos são discriminados". Os extremos se tocam até na pobreza do método de pensamento...

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  2. OI!
    Vejam isso:http://www.igualdaderacial.ba.gov.br/2013/11/mes-da-consciencia-negra-16-projetos-aprovados-no-edital-novembro-negro-2013/

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    1. Só agora tive tempo de ler o texto indicado. Desculpe. E é um edital ridículo! Se o Brasil precisar mesmo de um "mês da consciência negra", esse mês não deveria ser aquele em que teria nascido Zumbi dos Palmares. O cara é descrito no site como "herói que sintetiza a luta do povo baiano por uma sociedade livre e igualitária"! Ora, o sujeito foi rei de um quilombo onde havia trabalho escravo!!! Se é para comemorar um mês da consciência negra, seria mais apropriado que tivessem estabelecido esse mês em junho. Afinal, foi em junho que nasceu o escritor mulato Machado de Assis.

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  3. "Mas só é possível chegar às respostas certas se, ao invés de fazer comparações muito gerais para confirmar uma suposição ideológica pré-concebida, houver a preocupação de seguir uma metodologia de pesquisa científica, o que implica comparar grupos homogêneos segundo o maior número possível de características para aferir a possível influência de um determinado fator explicativo, como seria o preconceito. A função da escola não é ensinar ideologias; é ensinar a pensar de modo rigoroso"

    A Geografia anda na contramão exata desta idéia. Recentemente, fui a um simpósio no qual:

    - uma pesquisadora, ao tratar das mudanças na Região Portuária carioca, se recusou a entrevistar os órgãos competentes. Motivo? Tudo o que ela precisava saber já havia "saído na mídia";

    - outra pesquisadora, ao trabalhar as transformações no espaço urbano de certa capital nordestina, desprezou completamente a argumentação desenvolvida pelo setor imobiliário em favor da verticalização. Embora ele seja parte interessada no assunto, é necessário destacar que vários estudiosos defendem a densificação do espaço como forma de reduzir os gastos com dotação de infra-estrutura;

    - qualquer espaço a ser transformado, por mais insalubre que seja, era rotulado de "espaço de resistência". Ora, será que manter uma favela ou uma palafita como resistência é justo ou razoável?

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