Acabei de ler uma matéria na Veja Online intitulada IBGE mostra a persistência de dois 'Brasis', a qual comenta as mais recentes informações divulgadas a respeito do Censo Demográfico 2010. Em outros tempos, os jornalistas dariam maior destaque às diferenças de renda observadas entre estados e entre regiões, mas, nesta era em que o politicamente correto tem ditado a pauta dos debates públicos, são as diferenças supostamente raciais que ganharam maior relevo. Vejamos algumas afirmações feitas na matéria com base nos dados:
- "A taxa de analfabetismo é um dos indicadores em que a existência de dois Brasis se revela com mais vigor".
- "Em todas as regiões do país, a renda guarda estreita relação com a cor. Amarelos têm o maior rendimento".
- "A chaga da desigualdade revela-se ainda mais impressionante quando se observam as taxas de analfabetismo associadas à cor".
- "A essa diferença de oportunidades na educação pode-se atribuir boa parte da diferença de rendimentos constatada pelo IBGE".
- "Quando se cruzam os dados de rendimento com os de cor, constata-se que negros e pardos ganham cerca de metade do que ganham os brancos".
Em nenhum momento o texto usa a palavra "racismo" ou atribui ao preconceito racial as diferenças mencionadas. No entanto, repete um dos principais truques estatísticos utilizados pelos racialistas para pintar o Brasil (país de população majoritariamente mestiça) como um país clivado pelo preconceito racial. O truque está em comparar a renda média dos pretos e dos pardos com a renda dos brancos, como se existissem um "branco médio" e um "negro médio" a serem comparados num país com 190 milhões de habitantes!
De fato, comparar a população branca com a de negros e pardos não faz o menor sentido, já que os dois grupos reúnem dezenas de milhões de pessoas cada um, sendo ambos tão heterogêneos que a comparação acaba não dizendo nada das causas que explicam as diferenças observadas.
Ali Kamel (2006) já desmontou esse truque com dados estatísticos da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios - PNAD, para o ano de 2004, os quais mostravam que os amarelos tinham rendimento médio quase duas vezes mais alto do que os brancos. Por que isso acontece? Superioridade racial asiática? Preconceito contra branco? Nada disso. Os amarelos ganhavam mais porque estudavam 10,7 anos em média, enquanto os brancos apenas 8,4 anos, conforme os dados dessa pesquisa.
E as informações do Censo Demográfico 2010 confirmam que a renda média mais elevada não é dos brancos, e sim dos amarelos! A matéria da Veja menciona esse fato só de passagem e ainda omite a escolaridade dos amarelos, eximindo-se, assim, de encarar a conclusão de que as diferenças de escolaridade é que estão relacionadas às disparidades de renda observadas nessa pesquisa, e não a cor.
Para piorar, a matéria fala em "diferença de oportunidades na educação" logo depois de apresentar os números que indicam que o analfabetismo é maior entre os pretos e pardos, como se esses dois grupos tivessem menos chances de estudar por uma questão de cor. Ora, faria algum sentido supor que os amarelos têm escolaridade mais alta por que os brancos têm menos oportunidade para estudar? Claro que não! Os amarelos estudam mais simplesmente porque as famílias de origem japonesa, coreana e chinesa valorizam a educação muitíssimo mais do que os brasileiros.
A verdade é que as taxas de analfabetismo e de escolaridade variam em função da renda, não da raça. Tanto é assim que, quando se comparam grupos populacionais menores e com características socioeconômicas homogêneas, vê-se que brancos, pretos e pardos pobres enfrentam as mesmas dificuldades. Kamel usou a PNAD 2004 para comparar pessoas desses três grupos populacionais residentes em área urbana, com um filho e renda total de até dois salários mínimos. O resultado foi que os percentuais dos que sabiam ler e escrever eram praticamente idênticos: 73% dos brancos, 72% dos pretos, 69% dos pardos. E o tempo médio de estudo ficou em cinco anos para os três grupos (Kamel, 2006, p. 83).
Em suma, o artigo da Veja Online não chegou a mencionar a tese de que o racismo explica as diferenças observadas entre as raças, mas reproduziu mistificações estatísticas inaceitáveis com o intuito de convencer os leitores de que essa tese é correta. A releitura racialista da tese dos "dois Brasis" é bem pior do que a sua primeira versão, que possuía um conteúdo marcadamente econômico e regional.
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KAMEL, A. Não somos racistas: uma reação aos que querem nos transformar numa nação bicolor. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2006.
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