quarta-feira, 30 de novembro de 2011

Camponesa explica (sem querer) que mercado é melhor do que fraternidade

Uma das críticas mais antigas e mais comuns à economia de mercado é que, ao estimular a competição econômica e a busca pela satisfação dos interesses individuais, esse sistema tende a fazer com que os valores morais e a solidariedade sejam postos de lado em nome de um autêntico "salve-se quem puder". Esse tipo de crítica romântica ao capitalismo é hoje muito presente nas ciências humanas, como se vê, por exemplo, no comentário do professor André ao post A palestra que não aconteceu. Críticas desse teor supõem a vida em comunidade como forma de organização social fundada em valores morais e sentimentos fraternos, mas as pessoas que as enunciam não costumam explicar se, nessa sociedade alternativa, a cooperação estaria assegurada pelo fato de que a ausência de propriedade privada devolveria o homem àquela condição de bondade inata suposta por Rousseau, ou se a vida em coletividade ofereceria incentivos (quais?) para que os indivíduos cooperassem entre si. 


Ora, eu estava lendo o livro Rebeldes primitivos, de Eric J. Hobsbawn, e me deparei com uma entrevista na qual uma camponesa do século XIX (*), ao defender esse tipo de fraternidade, acaba, sem querer, demonstrando que o coletivismo não pode dispensar a punição como forma de garantir a coesão social. Vejamos as palavras dela: 
- Queremos que todo mundo possa trabalhar como nós trabalhamos. Dentro em breve, não deverá mais existir pobres e ricos. Todos devem ter pão para comer e para os próprios filhos. Devemos ser iguais. Tenho cinco filhos pequenos e apenas um pequeno quarto de dormir onde dormimos, comemos e fazemos tudo o mais, enquanto muitos proprietários (signori) têm dez ou doze quartos, palácios inteiros.
- Então você quer dividir as terras e as casas?
- Não. Basta colocar tudo como propriedade comum e dividir com justiça o que se produz.
- E você não tem medo de que, estabelecido esse coletivismo, certas pessoas que não compreendem bem as coisas ou alguns trapaceiros não apresentarão seus produtos?
- Não, porque a fraternidade é coisa que tem que existir, e, se alguém falhar nesse sentimento de fraternidade, será castigado.
Um dos princípios básicos da economia é que as pessoas reagem a incentivos, podendo ser eles positivos ou negativos, isto é, prêmios ou punições. Ao contrário do que pensa a crítica romântica ao capitalismo (conservadora ou revolucionária), a economia de mercado estimula a cooperação porque sinaliza aos indivíduos que, para ganhar dinheiro, é necessário produzir e vender algum bem ou serviço que satisfaça necessidades de outros. Nesse sentido, a economia de mercado oferece incentivos positivos para que as pessoas trabalhem, invistam e façam trocas, num sistema que é simultaneamente competitivo e cooperativo. Ao invés de produzir para si mesmo, produzir e vender. Já quando a socialização dos meios de produção elimina tais incentivos, a saída é pressupor dogmática e ingenuamente que “a fraternidade é coisa que tem que existir” (sic!) ou aplicar castigos contra aqueles que guardarem os frutos do seu trabalho para si mesmos. 

Não é à toa que, como já escreveu Roberto Romano (1981, p. 48), o campo de concentração, instrumento de extermínio ou de reeducação pelo trabalho usado pelos vários totalitarismos do século XX, é “o lugar para onde aponta toda ideologia de rebanho” . 

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(*) Entrevista com uma camponesa de Piana dei Greci (Província de Palermo) a um jornalista do Norte durante o levante camponês de 1893. ROSSI, Adolfo. L'Agitazione in Sicilia. Milão: 1894, p. 69 e segs. citado por HOBSBAWN, E. J. Rebeldes primitivos: estudo sobre as formas arcaicas de movimentos sociais nos séculos XIX e XX. Rio de Janeiro: Zahar, 1970, p. 227-228. 

ROMANO, R. Conservadorismo romântico: origem do totalitarismo. São Paulo: Brasiliense, 1981 (Coleção Primeiros Voos, 3). 

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