quarta-feira, 23 de novembro de 2011

O determinismo ambiental está vivo e a esquerda apoia!

Já cansei de ler que o determinismo ambiental é uma ideologia criada pelas "classes dominantes" europeias para justificar o colonialismo e que foi aproveitada pelos nazistas para legitimar o expansionismo alemão. Não que isso seja falso, mas o problema é que esse discurso é tão unilateral que acaba distorcendo a verdade, pois a tese de que as condições ambientais determinam em larga medida os processos históricos era muito bem aceita pelos teóricos ligados à esquerda política durante o século XIX e primeira metade do século XX. 


Realmente, o próprio Karl Marx chegou a dizer que o capitalismo surgiu na Europa por causa das condições edáficas do continente, conforme a seguinte passagem d'O Capital
Uma natureza pródiga demais “retém o homem pela mão como uma criança sob tutela”; ela o impede de se desenvolver ao não fazer com que seu desenvolvimento seja uma necessidade de natureza. A pátria do capital não se encontra sob o clima dos trópicos, em meio a uma vegetação luxuriante, mas na zona temperada. Não é a diversidade absoluta do solo, mas sobretudo a diversidade de suas qualidades químicas, de sua composição geológica, de sua configuração física, e a variedade de seus produtos naturais que formam a base natural da divisão social do trabalho e que excitam o homem, em razão das condições multiformes ao meio em que se encontra situado, a multiplicar suas necessidades, suas faculdades, seus meios e modos de trabalho (Marx, citado por Martins, 1994).
E ainda há outros exemplos disso, como o teórico marxista Gueorgui Plekhanov, que influenciou o também marxista Caio Prado Júnior. De fato, tanto Plekhanov quanto Prado Júnior afirmavam que a economia deriva das condições naturais. Esse é um dos pressupostos utilizados por Prado Júnior para estabelecer a diferença entre colônias de povoamento e colônias de exploração, sendo as primeiras próprias das regiões de clima temperado e as segundas localizadas nas regiões de clima tropical (Caldeira, 2009, p. 131). 

E a esquerda usa o determinismo ainda hoje 

E se alguém pensar que os autores de esquerda atuais rejeitam o determinismo, basta ler o número 90 da revista História Viva para comprovar que não é assim. Essa edição traz um artigo do historiador Ian Morris, o qual defende a tese de que a hegemonia da Europa e dos Estados Unidos nos últimos quinhentos anos não se deve a nenhuma característica racial, cultural, política ou econômica dos povos dessas áreas, mas tão-somente às vantagens oferecidas pelo seu meio geográfico em relação ao contexto histórico desse período. 

Segundo esse autor, a geografia "[...] molda a história, mas não de maneira óbvia: determina por que sociedades em algumas partes do mundo se desenvolvem tão mais rápido do que outras; mas, ao mesmo tempo, o grau em que as sociedades se desenvolveram determina o peso da geografia". Como exemplo, ele cita a posição da Grã-Bretanha no Oceano Atlântico, a qual manteve os povos dessas ilhas atrasados em relação às civilizações que floresceram com base na agricultura há 4 mil anos atrás, mas representou uma enorme vantagem do século XVII em diante, por ampliar o raio de ação da marinha britânica (Morris, 2011, p. 56). 

Independentemente de qualquer avaliação sobre essa tese, não há dúvida de que se trata de determinismo ambiental puro sangue, não é mesmo? Agora vejamos como Bruno Fiuza (2011), editor da revista, usa essa tese para atacar os intelectuais identificados com a direita política: 
A queda do Muro de Berlim, em 1989, deu margem à proliferação dos mais absurdos discursos ideológicos travestidos de ciência social, como o "fim da história" de Francis Fukuyama e o "choque de civilizações" de Samuel P. Huntington. De acordo com esses "pensadores", o colapso dos regimes socialistas do Leste Europeu marcaria o triunfo final da civilização ocidental. […]
[Mas] como afirma Morris, o Ocidente não tem nada de especial. […] O que realmente fez a diferença foi uma situação geográfica privilegiada diante de determinado contexto histórico.  
E uma má notícia para os arautos da superioridade do Ocidente: segundo Morris, em menos de 50 anos a China vai voltar a ocupar o lugar que sempre foi seu até o século XVIII – o de maior potência do planeta. 
Então, ficamos assim: quando alguma tese determinista levar a conclusões desagradáveis para os adversários do Ocidente, será imediatamente rebaixada à condição de ideologia produzida pelas classes dominantes e Estados imperialistas; mas, quando o determinismo servir de argumento para combater o Ocidente, ganhará automaticamente o status de lei científica mais do que comprovada. 

EM TEMPO – Por que os inimigos do Ocidente deveriam ficar esfuziantes com a ascensão da China se isso também não se deve à nenhuma superioridade oriental, mas tão-somente a mais um capricho da natureza? 

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CALDEIRA, J. História do Brasil com empreendedores. 1. ed. São Paulo: Mameluco, 2009, p. 131. 

FIUZA, B. O Ocidente está nu. História Viva, São Paulo, ano VIII, n. 90, mar. 2011.

MORRIS, I. O triunfo do Ocidente. História Viva, São Paulo, ano VIII, n. 90, mar. 2011. 

MARX, K. Das Kapital, p. 1006, citado por MARTINS, L. L. A natureza da paisagem em Friedrich Ratzel. In: V Congresso Brasileiro de Geógrafos, 1994. Curitiba. Resumos. Curitiba: AGB, 1994.

5 comentários:

  1. Excelente, Diniz! Prova de que tal pensamento viceja é o sucesso de um tal Jared Diamond.

    Para seus fãs, Montana e Austrália estão condenadas.

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  2. Não estou de acordo: Determinismo geográfico é o que praticam organismos financeiros internacionais hoje para promover políticas neoliberais, como demonstro na minha dissertação de Mestrado (sob orientação do Prof. Vesentini) através do Banco Interamericano de Desenvolvimento, apoiado pelo próprio Jared Diamond (Ian Morris fazendo parte deste meio discursivo). No que se refere ao século XIX, é preciso não trocar alhos por bugalhos: o determinismo geográfico podia coincidir, à diferença de hoje, com idéias progressistas, abolicionistas e republicanistas, como nos diz a história literária e cultural do Brasil.

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    1. Eu não disse que só a esquerda usa o determinismo ambiental, mas apenas que ela usa TAMBÉM. De fato, Jared Diamond e Ian Morris não são socialistas. No entanto, é inequívoco que Bruno Fiuza, conforme passagem citada no post, se apropria das teses de Morris para negar que as instituições responsáveis pela prosperidade econômica do chamado "Ocidente" (que são a economia de mercado e a democracia representativa), tenham qualquer importância.

      E há outros exemplos que eu não citei nesse post, e que dizem respeito não à esquerda intelectual, mas à esquerda política. A transposição do São Francisco foi anunciada com estardalhaço marqueteiro, fazendo eco ao discurso - que os geocríticos sempre acusaram de determinista - que identifica a seca como causa maior dos problemas sociais do Nordeste. Logo no início do primeiro governo Lula, a revista IstoÉ - que tem baixa credibilidade, pois depende de propaganda paga por estatais do governo federal para sobreviver, já que tem poucos assinantes e anunciantes - publicou uma matéria intitulada "A Revolução das Cisternas", que tratava de um programa de apoio para a construção de cisternas em pequenas propriedades rurais da região da seca no Nordeste...

      Quanto a dizer que o determinismo podia coincidir com ideias progressistas, abolicionistas, etc., estou de acordo. Tratei do assunto em minha dissertação de mestrado, ao mostrar que o determinismo ambiental, embora estivesse sempre combinado ao determinismo biológico, podia servir para amenizar as teses racistas.

      É o que se via, por exemplo, em um conservador como Oliveira Vianna. Mas não é o que se via em Sérgio Buarque de Hollanda, que, embora tenha sido um dos fundadores do PT (partido socialista e de esquerda), criticava explicitamente a tese de Vianna de que o meio natural era um fator explicativo do progresso dos povos mais importante do que a raça!

      Finalmente, qualificar uma ideia como progressista ou reacionária depende das referências teóricas e ideológicas de quem a avalia. Conforme eu demonstrei no meu doutorado e também no livro "Por uma Crítica da Geografia Crítica", as políticas que os geocríticos qualificam como neoliberais trouxeram resultados completamente opostos ao que esses autores previram.

      De outro lado, um autor como Vesentini, por exemplo, à luz do que eu escrevi nas obras citadas, jamais poderia ser qualificado como progressista ou qualquer coisa que o valha. As ideias dele, assim como as dos demais expoentes da geocrítica, geraram todo tipo de abominação política, ética e científica no âmbito da pesquisa e do ensino de geografia!

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  3. estou tentando ler um texto intitulado "O determinismo ambiental na formação do pensamento político autoritário brasileiro" de sua autoria, mas algumas paginas não estão legíveis devido a baixa resolução. Onde posso encontrar este texto em melhor qualidade?

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    1. Eu procurei uma outra versão do texto no meu computador, mas só achei a versão PDF baixada do site da revista RA'E GA. Desculpe, mas acho que não tenho uma versão melhor para lhe oferecer, pois a versão em Word deve ter se perdido em alguma vez que eu troquei de computador.

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