segunda-feira, 11 de abril de 2016

Fato: menos filhos por mulher reduziu a pobreza e a desigualdade

Os economistas já debateram bastante as causas da queda da desigualdade de renda medida pela Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio, queda essa que começou na segunda metade dos anos 1990 e durou até aproximadamente 2012. A maioria aponta os programas de transferência de renda, instituídos de 2001 em diante, como um dos fatores responsáveis pela desconcentração. Mas mesmo os defensores mais enfáticos dessas políticas estimam que elas responderam por cerca de um terço da queda da desigualdade ocorrida nos anos de 2001 a 2005 (quando esta foi particularmente rápida), posto que os outros dois terços são explicáveis por mudanças demográficas e no mercado de trabalho (Diniz Filho, 2013).

Bem, um pequeno problema com esses estudos, dos quais eu já tratei aqui e aqui, é que eles são trabalhos técnicos e, portanto, escritos em linguagem pouco acessível e com conclusões carregadas de nuances e estimativas. Daí a vantagem do Guia politicamente incorreto da economia brasileira, de Leandro Narloch, como fonte de divulgação de informações. Além de tratar do assunto em linguagem jornalística, esse livro, fiel ao objetivo de desmontar os discursos e propostas de gente que se julga bem intencionada por dar as costas à racionalidade econômica, enfatiza a importância da queda da natalidade e da fecundidade na redução da pobreza, da desigualdade e do desemprego. 


Vejamos algumas passagens bem esclarecedoras sobre os dois primeiros temas (do desemprego eu trato depois):
[Em 1970] Mulheres que passaram no máximo três anos na escola tinham em média 7,2 filhos, enquanto aquelas com mais de oito anos de educação ficavam com 2,7 filhos. Cada brasileira pouco escolarizada tinha 4,5 filhos a mais que uma mulher estudada. Dez anos depois, a fecundidade caiu levemente em todas as faixas de estudo, de modo que a diferença de fecundidade se manteve parecida (4,2 filhos). A partir de 1980, porém, houve uma queda radical na fecundidade das mulheres com até três anos de escolaridade. Em apenas uma década, elas passaram a ter três filhos a menos. Em 35 anos, a diferença de fecundidade passou de 4,5 para 1,6 filho por mulher.
[...] A importância dessa mudança demográfica é gigantesca. [...] Se a taxa de natalidade de 1980 não tivesse diminuído, o Brasil teria 295 milhões de habitantes em 2010, em vez de 190 milhões, segundo estudo da pesquisadora Ana Amélia Camarano, do Ipea. Seriam 105 milhões de brasileiros a mais - a maioria pobres nascidos em famílias pouco escolarizadas. Seria como se toda a população do México em 2010 migrasse ao mesmo tempo para o Brasil.
Quem nasceu em 1980 e foi procurar trabalho em 2000 encontrou milhões de concorrentes a menos. Com uma concorrência menor, esses candidatos puderam cobrar mais pelo trabalho. Isso aconteceu principalmente em vagas com baixa exigência de escolaridade, onde a queda do número de concorrentes foi maior. Entre 2001 e 2012, o rendimento real (descontada a inflação) de quem tinha até três anos de estudo aumentou 51%, e aqueles entre quatro e sete anos de estudo tiveram uma renda 32% maior (Narloch, 2015, p. 46-50 - negrito no original).
É claro que a pobreza e a desigualdade têm outras causas além da demografia, e tanto que Narloch dedica um capítulo inteiro do livro ao tema da desconcentração de renda. Mas os Censos Demográficos, fonte principal dos dados mencionados, provam inequivocamente que políticos tucanos e petistas atribuem a si mesmos mudanças positivas que derivaram em grande parte (ou até principalmente) de transformações estruturais de longo prazo, como a urbanização, o ingresso da mulher no mercado de trabalho, a popularização da pílula anticoncepcional, etc. 

Piada de professor

Bem, aí está um conteúdo importante a ensinar nas aulas de geografia da população do ensino médio, não? Mas tem professora de geografia que ensina aos seus alunos que as gestões presidenciais de Lula foram as melhores da história e ainda diz que tal conclusão não deriva da simpatia ideológica dela pelo PT, mas sim de uma análise objetiva dos dados do Censo Demográfico e de outras fontes (ver aqui). 

Conta outra, professora!

Postagens relacionadas
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DINIZ FILHO, L. L. Por uma crítica da geografia crítica. Ponta Grossa: Editora da UEPG, 2013.

NARLOCH, L. Guia politicamente incorreto da economia brasileira. São Paulo: Leya, 2015.

2 comentários:

  1. "Com uma concorrência menor, esses candidatos puderam cobrar mais pelo trabalho. Isso aconteceu principalmente em vagas com baixa exigência de escolaridade, onde a queda do número de concorrentes foi maior."

    Eu não consigo ver nenhuma lógica nisso. As pessoas que ocupam os empregos com baixa exigência de escolaridade não cobram mais ou menos pelo trabalho. Recebem salário mínimo, cujo valor é definido em lei. Não houvesse salário mínimo definido pelo Estado, certamente em diversos momentos (a maior parte do tempo) receberiam menos, ainda que com menos concorrentes no mercado de trabalho, pois não têm possibilidade de simplesmente procurar um emprego melhor, visto que não têm a qualificação necessária para outros empregos de maior complexidade.

    Me parece que esse raciocínio é só uma mistura de discurso liberal, aplicação de fundamentos da teoria em uma frase, com a falta de conhecimento sobre a realidade da maioria dos trabalhadores do país.

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    1. Na verdade, é errado pensar que os trabalhadores com menor qualificação são protegidos pela lei do salário mínimo. Como a informalidade no mercado de trabalho é muito grande, os pobres mais pobres ganham menos do que o mínimo porque trabalham sem carteira assinada. Por exemplo, dados da PNAD para 2005 atestam que 20% dos trabalhadores brasileiros ganhavam menos do que o salário mínimo, enquanto na região Nordeste esse contingente ficava entre 40% e 50% dos trabalhadores (informação citada por Fábio Giambiagi no livro "Raízes do Atraso").

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