O economista Muhammad Yunus concedeu uma entrevista à Época que, por um lado, revela a lucidez com que ele reflete acerca dos meios que podem ser empregados para enfrentar a pobreza, mas que, por outro lado, demonstra também a arrogância e primitivismo contidos na sua avaliação sobre os efeitos sociais do funcionamento do mercado. Neste post, vou mostrar apenas a parte da entrevista em que ele trata das políticas de combate à pobreza, deixando a crítica da sua visão sobre o lucro para outro post.
O economista Muhammad Yunus, prêmio Nobel da Paz em 2006, foi um visionário ao apostar na concessão de microcrédito e no empreendedorismo para reduzir a miséria em Bangladesh, onde ele nasceu e vive até hoje. Fundador do Grameen Bank, em 1976, e autor do livro O banqueiro dos pobres (Ed. Ática), Yunus contribuiu de forma decisiva para popularizar o microcrédito em todo o mundo. Segundo ele, o empreendedorismo é uma solução mais eficaz do que programas assistencialistas, como o Bolsa Família, para reduzir a pobreza. [...]
ÉPOCA – O senhor foi o criador da ideia de que é possível resolver o problema da miséria por meio do microcrédito e do estímulo ao empreendedorismo. Em sua opinião, essa é uma solução mais eficaz do que o governo dar dinheiro às pessoas, como acontece no Brasil, com o Bolsa Família?
Muhammad Yunus – Dar dinheiro não é uma solução. É uma forma de mascarar o problema. Você deixa de ver o problema, porque as pessoas conseguem sobreviver, comer, se divertir. Parece que está tudo bem, mas não está, porque o dinheiro não é delas. Então, a doação de dinheiro é uma solução temporária e não permanente. Para termos uma solução permanente, as pessoas têm de cuidar de si mesmas. Só assim elas podem se tornar agentes ativas de mudança. As crianças de uma família que depende de subsídios crescem acreditando que não precisam trabalhar, que podem sobreviver sem ter de se esforçar para melhorar de vida. Essa não é uma solução permanente para o problema da miséria.
Estou de perfeito acordo com essa avaliação, mas ressalto que os programas de transferência de renda podem ser executados de modo tal a evitar essa distorção assistencialista que ele detectou. O melhor exemplo disso foi o Bolsa Escola, instituído por Fernando Henrique Cardoso em 2001. Tal como concebido originalmente, esse programa tinha duas características que poderiam evitar ou minimizar o viés assistencialista, a saber: a) o programa exigia uma contrapartida das famílias beneficiadas, qual seja, a de que as crianças e adolescentes frequentassem a escola - bastava que houvesse muitas faltas às aulas para que o benefício fosse suspenso; b) a inclusão de uma família no programa não era permanente, pois terminava quando os filhos saíssem da idade escolar.
Nesse sentido, tratava-se de um programa de transferência de renda que dava o peixe para famílias pobres, mas com a condição de que elas aprendessem a pescar. Ou, melhor dizendo, era um programa que concedia o benefício em caráter temporário e sob a condição de que ele fosse aplicado de modo a aumentar a produtividade das novas gerações, o que é absolutamente necessário para que estas possam vir a obter uma boa renda do próprio trabalho.
Isso significa superar a pobreza nos mesmos termos em que Yunus descreveu, mas bastou o PT chegar ao poder para que suspendessem o acompanhamento da frequência das crianças à escola! Na época, integrantes desse partido, como o economista e ex-ministro José Graziano da Silva, disseram-se contrários à exigência de contrapartidas dos beneficiados! Não admira que o Bolsa Família, formado a partir da unificação dos quatro programas de transferência instituídos por FHC, tenha se transformado numa máquina populista de compra de votos: o número de beneficiados só aumenta!
Talvez isso explique também uma revelação que Yunus fez na sequência da entrevista:
ÉPOCA – Alguns anos atrás, o senhor esteve com o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva no Brasil, quando ele estava no governo, e falou sobre seus planos de trazer o Grameen ao país. Por que a ideia não avançou?Yunus – Na época, ele demonstrou um grande entusiasmo pela ideia, mas não deu sequência. Seu pessoal, que deveria nos contatar depois, não deu continuidade ao projeto.
ÉPOCA – Talvez ele tenha imaginado que o Grameen pudesse fazer sombra ao Bolsa Família...
Yunus – Não sei a razão. Chegamos a ter um encontro com o Banco do Brasil, que também demonstrou interesse na ideia. Eles têm um programa de microcrédito, querem fazer algo, mas nada de concreto aconteceu até agora. Eles não fecharam questão em relação a isso. A gente continua a conversar, mas talvez eles estejam ocupados com outras coisas.
É possível que o desinteresse dos governos do PT pelo programa esteja longe de ser um fato isolado, visto que, como o Grameen é um banco controlado pelos mesmos pobres que tomam empréstimos dele, acaba não sendo bem visto pelos políticos populistas, que se dão bem fazendo caridade com chapéu alheio. Vejamos:
ÉPOCA – Como o senhor vê a tentativa do governo de Bangladesh de estatizar o Grameen Bank?Yunus – Eles estão tentando assumir o controle, mas os tomadores de empréstimos, que são os controladores do banco, com 95% do capital, resistem. Até o momento, o governo não teve sucesso em sua iniciativa, mas há muito apoio internacional para mantê-lo sob o controle dos tomadores de empréstimos.
ÉPOCA – Como o senhor recebe as acusações de que cometeu irregularidades na gestão do banco?
Yunus – É muito triste. O governo queria me tirar de lá e buscava pretextos para isso. Essas acusações não foram provadas por ninguém. Eles fizeram uma auditoria no meu Imposto de Renda, para buscar irregularidades. Não acharam nada. Paguei cada centavo que tinha de pagar. Depois, disseram que tirei dinheiro do Grameen para financiar outros negócios sociais. Em toda a minha vida, e ainda hoje, nunca tive uma única ação de uma companhia criada por mim, em Bangladesh ou em outro lugar. Criei muitas empresas, mas todas foram criadas para resolver problemas sociais.
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YUNUS, M. Muhammad Yunus: "dar dinheiro para os pobres mascara a miséria". Época, n. 784, p. 42-44, 03 jun. 2013. Entrevista à José Fucs e Marcos Coronato.
A propósito: http://www.youtube.com/watch?v=Et9OrjTelc8
ResponderExcluirFantástico! Eu não conhecia esse depoimento em que o Hélio Bicudo expõe que a continuidade das políticas de transferência de renda nos governos do PT se deveu explicitamente a interesses eleitorais. Vale a pena reproduzir a afirmação resumida: "José Dirceu me disse: Bolsa Família são mais de 40 milhões de votos".
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