domingo, 9 de junho de 2013

Teoria da probabilidade contra teóricos da conspiração

Teorias da conspiração são comuns nos debates públicos, antes de mais nada, por serem fáceis de elaborar. Afinal, esse tipo de explicação consiste apenas em responsabilizar o adversário por um dado acontecimento ou em dizer que ele tem interesse em fazer o público acreditar numa determinada ideia. Daí que os ingredientes para elaborar uma teoria conspiratória crível são poucos e fáceis de formular. Primeiro, é preciso definir um inimigo das ideias e projetos que se deseja defender. Pode ser o comunismo, o capitalismo, o evolucionismo, a religião, o ateísmo, as elites... enfim, qualquer grupo, real ou imaginário, pode servir. Em segundo lugar, deve-se pressupor que esse inimigo é quase divino, pois sabe tudo e controla tudo, de sorte que nunca há nada que aconteça por acaso. Por fim, basta supor que, dada essa onisciência e onipotência do adversário, a prova de que a teoria conspiratória é correta está exatamente na falta de provas; afinal, "eles" escondem tudo... 

Se as palavras acima fazem lembrar os debates sobre a teoria do aquecimento global antropogênico ou a reação do governo diante do imbróglio causado pela má gestão do Bolsa Família, não é por mero acaso. Mas escrevo estas linhas não para falar de uma teoria conspiratória específica, e sim para avisar que existe um método muito bom para reduzir a propensão natural das pessoas a acreditar em teorias da conspiração -  a qual a neurociência detecta -, que é utilizar um raciocínio baseado em uma teoria da probabilidade. 

Raciocinando sobre fatos conhecidos e desconhecidos
No livro O andar do bêbado, o físico Leonard Mlodinow faz uma introdução didática e divertida às teorias da probabilidade, abordando sua história e aplicações práticas. Num dado momento, ele explica a teoria da probabilidade condicional elaborada por Thomas Bayes (1701-1761), a qual procura explicar a chance de ocorrência de dois ou mais eventos que estão conectados. Por exemplo, se um exame de sangue diz que uma pessoa está com AIDS, qual é a chance de que esse resultado seja um positivo verdadeiro e qual a probabilidade de que seja um falso positivo? Por incrível que pareça, ele conta, com base em dados, que os médicos costumam errar muito nesse tipo de avaliação!

Mas o importante agora é que, ao ilustrar os erros cometidos pelas pessoas quando avaliam as chances de dois ou mais eventos estarem relacionados, o autor afirma o seguinte:
Digamos que meu chefe está levando mais tempo do que o habitual para responder a meus e-mails. Muitas pessoas veriam isso como um sinal de que minha reputação na empresa está caindo, porque, se minha reputação estiver caindo, há uma grande chance de que meu chefe passe a demorar mais para responder meus e-mails. Porém, meu chefe pode estar demorando mais para responder por estar excepcionalmente ocupado, ou porque a mãe dele está doente. E assim, a chance de que minha reputação esteja caindo se ele estiver levando mais tempo para responder é muito mais baixa que a chance de que ele responda mais devagar se a minha reputação estiver caindo. A força de muitas teorias conspiratórias depende da incompreensão dessa lógica. Ou seja, depende da confusão entre a probabilidade de que uma série de eventos ocorra se forem o produto de uma grande conspiração e a probabilidade de que exista uma grande conspiração se ocorrer uma série de eventos (Mlodinow, 2011, p. 141 - itálicos no original).
Noutros termos, ele está dizendo que pode haver muitas causas para o fato de o chefe hipotético ficar mais demorado para responder e-mails, de maneira que, como a possível perda de reputação do empregado é apenas uma dentre elas, a chance de ser justamente essa a explicação para a demora é muito menor do que a probabilidade de que a explicação esteja em uma ou mais das outras causas possíveis. De modo análogo, muitas teorias da conspiração fazem sucesso porque as pessoas não percebem que o modo como seus formuladores argumentam torna a probabilidade de que a teoria esteja correta muito baixa, já que existe pouca chance de que vários eventos estejam conectados entre si pela ação de um grupo.

De fato, ao invés dos teóricos da conspiração tomarem como ponto de partida uma evidência concreta de que determinado grupo pôs uma conspiração em marcha para, só então, explicar os acontecimentos, fazem exatamente o oposto: elencam vários acontecimentos e os costuram uns aos outros com uma teoria que aponta certo grupo (real ou imaginário) como sendo o responsável. E o público se deixa levar porque, como afirma Mlodinow, confunde "a probabilidade de que uma série de eventos ocorra se forem o produto de uma grande conspiração e a probabilidade de que exista uma grande conspiração se ocorrer uma série de eventos"!

Desconfiômetro
Nesse sentido, eu proponho um método simples que podemos usar para que o desconfiômetro pisque quando ouvirmos alguma teoria da conspiração. Basta perguntar: existe algum documento, filmagem ou gravação confiável que ateste que determinado grupo está mentindo ou organizando uma operação qualquer para fazer valer suas ideias e interesses? Se a resposta for "sim", haverá uma boa chance de que certos discursos e acontecimentos sejam produtos de manipulações deliberadas. Já se não houver qualquer prova ou indício que ateste a existência do grupo organizado, então a probabilidade de que uma série de eventos ou os conteúdos de certos discursos sejam explicáveis pela ação de conspiradores é muito baixa.

Se alguém lembrou do mensalão ou do chamado "climategate" ao ler as linhas acima, e cogitou que eu poderia estar pensando em casos como esses ao escrevê-las, fique certo de que eu estava mesmo. Isso não foi acaso.

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MLODINOW, L. O andar do bêbado: como o acaso determina nossas vidas. Rio de Janeiro: Zahar, 2011.

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