terça-feira, 25 de junho de 2013

Prisioneiros num "labirinto de algodão"

Destaco aqui um excelente comentário feito ao post anterior, mas motivado pelo texto Sim, a universidade justifica a violência, que toca em questões cruciais para a refutação da teoria social crítica na academia. Uma vez que o comentário é longo (tanto que foi publicado em duas partes) vou reproduzir apenas as passagens abaixo:
Imagino que algumas pessoas não entendam suas críticas (como o autor do comentário), pois tentam enxergar uma dominação mais explícita no meio acadêmico, devem imaginar que há aulas como aquela do filme "A vida dos outros", onde o professor/agente da Stasi trata da prática de interrogatórios e afirma aos alunos que "seus prisioneiros são inimigos do socialismo". Afora os casos de violência sobre os quais você já falou, acredito que compreender esta situação da academia requeira uma sensibilidade um pouco maior para determinados vazios e silêncios, geralmente pouco percebidos. (Aliás, estão aí os tabus das pesquisas acadêmicas, e não no funk carioca ou na cultura popular como muita gente gosta de afirmar). Acredito que haja, pelo menos, dois pontos que realçam a existência de certo "esquerdismo" dominante nas áreas de humanidades (mas que passam despercebido por outras pessoas).
1. naturalização do socialismo/comunismo: a presença de partidos políticos e movimentos de extrema esquerda no interior das universidade, nos CAs e DCEs, com murais para propaganda, com o uso livre do ambiente universitário para encontros, parece ser tido como algo natural ou normal. Espera-se que haja esta presença ali dentro. Ela é normatizada e ninguém se incomoda ou percebe algo de errado. Além do mais, ambos são vistos como coisas inerentemente boas, daí não haver oposição a sua presença, afinal, quem em sã consciência irá se opor a algo que luta apenas pelo que é bom, belo e justo?
2. "inconsciente de esquerda": quando falei em vazios e lacunas, tem a ver com este inconsciente. Nós esposamos uma bibliografia com alguma conotação ideológica (de esquerda), mas sem a devida crítica e sem contrapor a outras visões. Nós vamos usar as obras de Eric Hobsbawn e Pierre Bourdieu e simplesmente aceitamos o que de mais ideológico há neles sem chamar atenção para isto. Nestes 10 anos, por exemplo, nunca tive um professor que sugerisse Raymond Aron; ou vi alguma disciplina que pretendesse trabalhar o pensamento liberal. É possível encontrar gente afirmando que a obra de Max Weber é apenas um refinamento das ideias de Karl Marx ou um diálogo com seu fantasma, dando a impressão de que a obra do segundo é mais importante ou superior que a do primeiro, mantendo a primazia do pensamento marxista. Este "inconsciente", que é adequado à mentalidade "progressista" que vemos hoje, sobretudo na internet, é observado na escolha de temas de pesquisa e no tipo de teoria mobilizada para falar bem ou mal do objeto de pesquisa. Cria-se um universo simbólico a partir do qual determinadas ideias e práticas passam a ser consideradas legítimas ou naturais (como defender passe livre e violência), mesmo por pessoas que, penso eu, talvez não se sentissem muito à vontade ao lado de partidos/movimentos de extrema esquerda como PSTU, PCO e congêneres (o PSOL é um caso um pouco diferente, pelo menos no RJ, me parece). Neste sentido, concordo com suas colocações. Acredito que falte sensibilidade por parte de outras pessoas (dentro ou fora da academia) para perceber que, muitas vezes, este "stalinismo" é mais sublimado. Tomando de empréstimo uma metáfora de Vilém Flusser, parece que caminhamos no interior de um labirinto de algodão. Nós não sentimos, mas nos perdemos lá dentro e somos afetados por ele [grifo meu].
Absolutamente perfeito! Os dois pontos descritos são abordados em detalhes no meu recém-lançado livro Por uma crítica da geografia crítica (Editora da UEPG). Para mostrar isso de modo breve, vou reproduzir apenas o texto que está na contracapa do livro, conforme segue:

Ruy Moreira afirma e insiste que a geografia crítica nunca existiu como corrente de pensamento. Por sua vez, Ana Fani assegura que a geocrítica existe, mas lamenta que, depois das conquistas teóricas dos anos 70 e 80, entrou em refluxo. Enquanto isso, geógrafos de projeção, como Rogério Haesbaert e Marcelo Lopes de Souza, recusam o rótulo de geocríticos e afirmam não ter a preocupação de classificar seus trabalhos em qualquer corrente. Mas estão todos errados. A geocrítica não só existiu como está mais forte do que nunca, sendo hegemônica na geografia brasileira atual. Tanto que Haesbaert e Souza reproduzem os pressupostos da geocrítica em seus trabalhos e, mesmo assim, não se assumem como geocríticos e nem são vistos desse modo por seus pares. Isso ocorre porque, hoje, as teses da geocrítica são vistas como verdades tão óbvias que culpar o capitalismo e a democracia representativa pela violência urbana, pela pobreza, por problemas ecológicos ou de qualquer outro tipo é o mesmo que dizer "Cabral chegou ao Brasil em 1500". Nesse contexto, a missão deste livro é demonstrar a hegemonia da geocrítica no cenário contemporâneo e analisar criticamente seus pressupostos teórico-metodológicos e políticos, manifestos na pesquisa acadêmica, nas propostas de planejamento e no ensino. Trata-se, pois, de um convite à reflexão sobre o que foi e o que é essa tendência da geografia que se fez dominante ao ponto de tornar-se quase invisível.

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