Um dos procedimentos retóricos mais usados pelos autores anticapitalistas é sacar do bolso uma longa lista de mazelas econômicas, sociais, políticas e militares e qualificá-las todas como produtos do capitalismo, sem levar em conta as reinvenções desse sistema ao longo dos séculos e nem as diversas formas assumidas pelo capitalismo nos dias atuais. Em um ou dois parágrafos, o sujeito cita do genocídio de povos ameríndios, passando pelo regime do apartheid, até as taxas de desemprego vigentes em muitos países desenvolvidos e o aquecimento global. Assim, quem não concordar com eles tem que se dar ao trabalho de escrever muito mais para desmontar cada uma das sentenças que, com a maior ligeireza, atribuem relações de causa e efeito entre a "lógica do capitalismo" e tudo o que aconteceu de ruim no planeta nos últimos 500 anos.
No post As muitas formas do capitalismo, eu falei da necessidade de entender as profundas transformações históricas vividas por esse sistema ao longo do tempo. Agora é o momento de comentar que os autores radicais raciocinam com base numa oposição simplista entre capitalismo e socialismo, menosprezando assim as enormes diferenças que existem entre as diversas formas de capitalismo e seus desempenhos econômicos e sociais distintos.
O caminho aparentemente fácil para produzir essa simplificação consiste em apelar para as teses do intercâmbio desigual no intuito de provar que desenvolvimento e subdesenvolvimento são duas faces da mesma moeda. O problema é que, como eu já demonstrei no texto Os equívocos da noção de "regiões que exploram regiões", essas teorias das trocas desiguais, que fizeram muito sucesso entre os intelectuais críticos nas décadas de 1960 e 1970, caíram em descrédito devido a inúmeras inconsistências lógicas e empíricas. Além disso, a redução das disparidades econômicas entre países nas últimas décadas - a qual exige pensar novas formas de regionalização do globo, conforme se pode ler num texto de Fernando R. F. Lima - é outra prova empírica dos equívocos dessas e de outras teorias que afirmavam a impossibilidade do desenvolvimento da "periferia".
Ora, se não existem mecanismos de exploração entre países que expliquem o desenvolvimento, então é preciso considerar que o subdesenvolvimento e seus males não se devem à lógica da acumulação de capital, mas à constituição histórica de determinadas formas de capitalismo nas quais o ritmo de introdução de progresso técnico nos processos produtivos e o crescimento econômico de longo prazo são prejudicados. É aí que entram as diversas teorias que procuram explicar esses percursos históricos diferenciados como resultantes da ação de fatores geográficos, culturais e institucionais.
Um tipo de explicação bastante interessante vem dos autores da escola institucionalista, segundo os quais o subdesenvolvimento é explicado pela fragilidade das instituições chave para o desenvolvimento econômico capitalista nos países da América Latina, África e da maior parte da Ásia. Hernando de Soto é um dos autores dessa corrente, pois afirma que o subdesenvolvimento se deve ao fato de que, assim como ocorria na Europa, até o século XVIII, os países subdesenvolvidos apresentam formas bastante inadequadas de legislação garantidora dos direitos de propriedade.
O desenvolvimento capitalista é desigual e combinado na medida em que todos os países do mundo se integram progressivamente pelos fluxos de mercadorias e de capitais, sobretudo no contexto histórico da globalização. Mas as diferenças de desenvolvimento entre eles não são determinadas por uma lei geral que faz da pobreza de uns o resultado necessário da riqueza de outros, e sim por arranjos institucionais que, para o bem ou para o mal, fazem coexistir formas muito distintas de capitalismo no mundo contemporâneo. Nesse sentido, ao contrário do que pensa a teoria social crítica, o caminho do bem-estar social está no fortalecimento do mercado e das instituições democráticas, não na crítica do capitalismo.
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