terça-feira, 17 de abril de 2012

PT colhe as invasões que plantou com impunidade e regou com dinheiro público

O post anterior veio bem a calhar, já que publicado quase às vésperas da recente onda de invasões de prédios públicos por militantes do MST, em mais um "abril vermelho". Conforme demonstrado naquele post (ver aqui), a MP anti-invasão quebrou a espinha do MST em maio de 2000, fazendo despencar o número anual de invasões de terra. Quem deu sobrevida a essa prática de esbulho possessório (expressão jurídica que define a ação de tomar um imóvel por métodos violentos) foi o PT, que deixou de aplicar a lei. Depois de uma escalada de violência, veio um acomodamento dos interesses do partido e dessa organização, a partir de 2005.


O acomodamento se deu, conforme comentado, pela maior liberdade de invadir terras garantida pelos governos do PT. Agora é o momento de mostrar que outra causa disso foi o atendimento de reivindicações do MST quanto ao aparelhamento do Incra e ao repasse de recursos públicos para essa organização. Uma reportagem da revista Veja baseada em investigações oficiais demonstra que o MST, que não possui identidade jurídica e nem registro na receita federal, montou uma rede de ONGs para financiar-se por meio de doações de recursos de entidades estrangeiras e repasses de verbas de ministérios. Uma passagem da matéria esclarece bem o nexo causal entre esses repasses de verbas e as estratégias de pressão do MST:
No governo Lula, a relação [com o MST] começou tensa, mas foi se acalmando à medida que aumentavam os repasses de dinheiro e pessoas ligadas ao movimento eram nomeadas para chefiar os escritórios regionais do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra). O MST passou, então, a concentrar os ataques à iniciativa privada, especialmente ao agronegócio. Os escritórios do Incra se tornaram suporte para ações contra produtores rurais, muitos deles personagens influentes na base aliada do governo. Além disso, os assentamentos contribuíram para aumentar a taxa de desmatamento e as ONGs ligadas à reforma agrária se tornaram um ralo pelo qual o dinheiro público é desviado. Esse estado de coisas levou à instalação de uma CPI no Senado e, ato contínuo, a um recuo do Planalto nos afagos aos sem-terra. A pretexto da crise econômica mundial, o governo cortou mais de 40% da verba prevista para os programas de reforma agrária. Cedendo à pressão de ruralistas, tirou das mãos do MST o comando de escritórios estratégicos do Incra, como Mato Grosso, Mato Grosso do Sul e Pernambuco, e colocou no lugar pessoas indicadas por ruralistas. Por fim, o golpe mais dolorido: fechou a milionária torneira dos convênios.
As ONGs ligadas ao MST chegaram a receber quase 40 milhões de reais em um único ano. No início do governo Lula, em 2003, esses repasses não alcançavam 15 milhões de reais. No ano seguinte, cresceram substancialmente, ultrapassando os 23 milhões de reais. Em 2005, o valor aumentou novamente, atingindo 38 milhões de reais. No segundo mandato, as denúncias de irregularidades envolvendo entidades ligadas aos sem-terra ganharam força. E o dinheiro federal para elas foi minguando. Em 2007, ano de abertura da CPI, os repasses às ONGs ficaram em 28 milhões de reais. No ano passado, as entidades receberam 13 milhões. E, nos oito primeiros meses deste ano, os cofres das ONGs do MST acolheram menos de 7 milhões de reais em convênios com o governo federal. Como reação, a trégua com o governo também minguou. No início de agosto, 3 000 militantes invadiram a sede do Ministério da Fazenda. A ação em Brasília foi comandada pela nova coordenadora nacional do MST, Marina dos Santos, vinculada a setores mais radicais do movimento. No protesto, o MST exigiu o assentamento imediato de famílias que estão acampadas. Nos bastidores, negocia a retomada dos repasses para as ONGs e a recuperação do comando das unidades do Incra (Policarpo Júnior; Krause, 2009).
Essa matéria é de 2009, e as evidências apresentadas nos permitem indagar se este "abril vermelho" de 2012 pode ter causas outras que não apenas as alegadas pela organização. O MST afirma que a atual onda de invasões de prédios públicos, que incluem algumas sedes do Incra, é uma represália contra a decisão do governo Dilma de congelar 70% das verbas do Incra destinadas a desapropriações. É uma reivindicação coerente com o ideário do MST, mas que expõe a contradição entre esse ideário e a relativa trégua com o governo ocorrida de 2005 a 2010, evidenciada no gráfico do post anterior.

De fato, a política fundiária do PT dá continuidade à do governo FHC (Scolese, 2004). Isso significa, entre outras coisas, que o PT privilegia a instalação de assentamentos de reforma agrária em terras de propriedade da União (localizadas sobretudo na Amazônia Legal), e deixa as desapropriações em plano bastante secundário (Olmos, et al., 2007). Daí porque Ariovaldo Umbelino de Oliveira critica essa política com a avaliação, correta, de que não se trata de uma reforma agrária, já que não altera a estrutura fundiária, mas de uma política de colonização (Arruda, 2011). Nesse sentido, o congelamento recente de verbas para desapropriações apenas aprofunda uma política que já vem desde 1995, não fazendo sentido, à luz do ideário do MST, a estabilização do número de invasões (embora em patamares bastante altos) de 2005 em diante.

Uma vez que o motivo alegado não cola, o recrudescimento das ações violentas do MST neste ano pode perfeitamente estar mais atrelado às reivindicações que essa organização faz em sua política de bastidores para aparelhar o Estado e captar verbas públicas do que à redução dos recursos aplicados em uma política de desapropriações que, embora essencial no projeto de reforma agrária dessa entidade, já se tornou secundária há muito tempo. 

De todo modo, está claro que nada disso estaria acontecendo hoje se os governos do PT não tivessem posto a política nacional de reforma agrária em retrocesso com sua leniência em relação a invasores de terras e entidades suspeitas de servirem de fachada para o repasse de verbas públicas ao MST. O governo colhe o que plantou. 

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ARRUDA, R. Incra infla números de reforma agrária. O Estado de São Paulo, 28 fev. 2011.

OLMOS, F. et al. Reforma agrária, meio ambiente e unidades de conservação. Disponível em <http://arruda.rits.org.br/oeco/reading/oeco/reading/pdf/msc_olmos_mst.pdf> Acesso em: 22 jul. 2007.

POLICARPO JÚNIOR; KRAUSE, S. Por dentro do cofre do MSTVeja, edição 2.128, 02 set. 2009.

SCOLESE, E. De FHC a Lula: manipulações, números, conceitos e promessas de reforma agrária. Terra Livre, São Paulo, v. 2, n. 23, p. 123-138, 2004.

Um comentário:

  1. No fígado.

    Sabe... Em 1984, quando eu era simpatizante dessas causas, eu visitei o núcleo do que viria a ocorrer no Brasil, a Fazenda Anoni, no norte do RS. A questão é a seguinte, aqueles que não migraram após perder suas terras por endividamento, engrossaram o movimento, o MST, mas os que migraram, parte foi para as cidades e outra para o Centro-Oeste e Norte. O resto da história vocês sabem, quem expandiu nossa fronteira agrícola com sucesso foi este último grupo. E se no início havia realmente agricultores descapitalizados que necessitavam de terra, hoje sabemos que nem é o lúmpen das periferias que aumenta o número de posseiros, mas as classes C e D que pretendem incorporar lotes ao seu patrimônio para depois revendê-los. Como? Ora, quem vocês acham que vai entrar num acampamento do MST coletando dados para saber a procedência real de quem se diz agricultor? Alguém é louco? É quadrilha hoje em dia e, como tal, sem proteção policial permanente não vai ser um pobre técnico do INCRA que, aliás, está cada vez mais aparelhado que vai dar uma de mártir, sejamos francos. Outra coisa que me surpreendeu é que se antes, no governo FHC, ainda tínhamos alguns dados disponíveis no site do INCRA sobre assentamentos, a partir do governo Lula, eles simplesmente sumiram. Mesmo aqueles que defendem essa tal reforma agrária deveriam, no mínimo, exigir dados sobre produtividade das áreas de assentamento e, verdade seja dita, suspeito que seria um escândalo.
    Francamente, o que qualquer ser humano precisa é de dignidade e esta se obtém, entre outras coisas, com o trabalho. Agora, quem foi que disse que 'trabalho' para o habitante rural significa necessariamente terra como meio de produção? Empregos, inclusive empregos em pequenas e médias cidades, na linha de produção de indústrias que utilizam a matéria-prima local, regional ou gêneros agropecuários tem muito maior capacidade para absorver esta massa que relegá-los a condição similar de servo da gleba. Esta visão anti-econômica é realmente um acinte à lógica da produção. Que se transfira renda para empreendimentos que possibilite ao indivíduo produzir ou obter qualificação, mas perseguir um ideal de reforma agrária como se a terra o libertasse de algo não passa de mito. O mito da terra liberta.

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