domingo, 21 de outubro de 2012

Paulo Sergio Pinheiro está se lixando para a sociedade

Não vou repisar aqui as críticas que já foram feitas à tal Comissão Nacional da Verdade. Já foi dito alhures que a própria existência dessa comissão é um arroubo autoritário do governo, que está tentando estabelecer uma verdade oficial de Estado. E os críticos também já ressaltaram que os integrantes da Comissão desrespeitam a própria lei que a instituiu para poderem agir de modo parcial, posto que o objetivo deles não é fazer jus à verdade coisa nenhuma, mas apenas reforçar a mentira de que guerrilheiros e terroristas como José Genoino e Dilma Rousseff teriam lutado em defesa da democracia. Sendo assim, vou apenas complementar essas análises fazendo reparos à forma como a dita comissão está tentando interferir no sistema de ensino, já que esse é um tema central para este blog. Vejamos a notícia que trata do assunto (disponível aqui):
A Comissão Nacional da Verdade, que investiga crimes ocorridos durante a ditadura militar, vai recomendar às Forças Armadas alterações no currículo de ensino das academias militares. O foco da recomendação será a questão do golpe de 1964, segundo informações do sociólogo Paulo Sérgio Pinheiro, um dos sete integrantes da comissão, instalada em maio.
"As academias militares continuam a conviver com o mito de que o golpe de 1964 foi uma revolução democrática para impedir o comunismo", disse Pinheiro em entrevista ao programa Roda Viva, que foi gravado no fim de semana e será exibido nesta segunda-feira à noite pela TV Cultura. Segundo o sociólogo, existe um descompasso entre a forma como a sociedade encara o que houve no dia 31 de março, com a interrupção da ordem democrática constitucional, e o que as academias militares ensinam.
"Quando a sociedade inteira faz esse percurso, as instituições de ensino nas Forças Armadas brasileiras não podem continuar repetindo todos esses mitos sobre o que aconteceu entre 1964 e 1985", disse. "Não pode haver essa esquizofrenia. As Forças Armadas continuam fazendo um ensino que não reconhecemos mais. É um anacronismo total."
Eu concordo com Paulo Sérgio Pinheiro que o golpe de 1964 não foi democrático coisíssima nenhuma. Nesse sentido, concordo com as críticas dele à abordagem que os colégios militares fazem desse episódio da história recente do Brasil. Mas ressalto que, assim também como em outros assuntos, o unilateralismo dos membros da Comissão os conduz a utilizar argumentos que chegam a ser hipócritas.

Em primeiro lugar, como é que Paulo Sérgio Pinheiro sabe que "a sociedade inteira" renega a explicação dada ao golpe nas escolas militares? Entre os professores, jornalistas e cientistas sociais parece mesmo haver um predomínio absoluto dessa visão crítica sobre o golpe (visão da qual eu partilho), mas existe alguma pesquisa que mostre que "a sociedade inteira" rejeita o golpe de 1964 nos mesmos termos em que esse senhor faz? Até onde eu sei, as pesquisas mostram que existem amplas parcelas da população brasileira e latino-americana que manifestam pouca confiança no regime democrático. Ele estaria disposto a esperar pelo resultado de uma pesquisa que aferisse direito o que a sociedade pensa sobre o golpe de 1964 para só então formular um juízo a respeito dos currículos escolares? E, se acaso uma pesquisa assim mostrasse que a maior parte da população vê esse episódio da história brasileira com bons olhos, seria então o caso de mudar o que as escolas não militares ensinam sobre o assunto?

A grande verdade é que o senhor Paulo Sérgio Pinheiro, do mesmo jeito que os professores e pedagogos em geral, está se lixando para o que a sociedade pensa quando se trata de elaborar currículos escolares. Muito pelo contrário, os professores e pedagogos vêm a educação como uma ferramenta para mudar a maneira de pensar das pessoas, e ponto final. 

Um exemplo disso é que as pesquisas de opinião apontam que a maioria das pessoas rejeita as ações violentas do MST em sua pseudo "luta pela terra", mas os livros didáticos e os professores transmitem uma visão do campo que, além de mentirosa, justifica as invasões de propriedade. É o que já comentei no texto A escola a serviço do MST, entre outros trabalhos. 

E um exemplo ainda mais cabal pode ser encontrado quando se consideram os resultados da Pesquisa Social Brasileira - PESB. As entrevistas realizadas no âmbito dessa pesquisa mostram que, em matéria de sexualidade, o brasileiro é conservador e pouco tolerante com a diferença. A avaliação que as pessoas fazem do homossexualismo masculino e também feminino é bastante clara: a maioria esmagadora se disse contra! Só para dar uma ideia, o grupo em que a rejeição ao homossexualismo mostrou-se mais alta foi o dos analfabetos, posto que aproximadamente 97% deles afirmou discordar do homossexualismo. Já o grupo em que a rejeição mostrou-se menor foi o das pessoas com nível de escolaridade superior, mas, mesmo nesse caso, cerca de 75% disseram que discordam (Almeida, 2007).

Ainda assim, ninguém nunca verá o senhor Paulo Sérgio Pinheiro a dizer que o modo de pensar da sociedade sobre esses temas deve ser levado em conta para evitar que haja uma "esquizofrenia" dos conteúdos escolares. Como a maioria dos esquerdistas, ele pede respeito à opinião pública quando percebe, ou julga perceber, que esta é favorável ao seu ponto de vista. Mas basta a sociedade divergir desses intelectuais para que eles saiam por aí dizendo que o povo é iludido pela mídia, cabendo então à escola conscientizá-lo. Comissão Nacional da Verdade? É pra rir...

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ALMEIDA, A. C. A cabeça do brasileiro. Rio de Janeiro: Record, 2007.

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