sábado, 27 de outubro de 2012

Malala, Síria e a impotência do politicamente correto

Uma das melhores análises que li sobre as reações ocidentais à explosão de violência e intolerância detonada pelo vídeo que ridicularizava Maomé foi elaborada pelo cientista político Heni Ozi Cukier, e serve igualmente bem para balizar a discussão sobre o ataque à estudante Malala e a participação de jihadistas nas insurreições contra a ditadura síria. O argumento central dele é que o discurso politicamente correto e o relativismo cultural são impotentes para a construção de uma crítica construtiva à violência e intolerância religiosa que marcam o Oriente Médio, já que, ao buscarem explicar tais fenômenos, acabam apontando causas externas à região e/ou justificando a barbárie com o argumento de que os muçulmanos são democráticos de uma forma própria. Por isso, ele propõe que é preciso entender esses problemas como tendo causas internas aos países islâmicos, sendo a principal delas a rejeição aos valores democráticos.

Nesse sentido, o autor propõe a mesma linha de análise que eu procurei desenvolver no post que comenta a onda de violência ocorrida no rastro do vídeo acima citado, conforme se lê aqui. Abaixo, publico o texto de Cukier.


Gazeta do Povo


Heni Ozi Cukier


As últimas revoltas no Oriente Médio e Norte da África supostamente causadas por um filme anti-islamico são mais um exemplo do perigo que o discurso politicamente correto tem na solução dos conflitos do mundo. Dizer que o filme que satiriza o profeta Maomé foi a causa da revolta é não somente uma simplificação, mas principalmente uma tentativa de não chamar pelo nome o verdadeiro problema das sociedades da região. Os politicamente corretos omitem propositalmente os erros, exageros e intolerâncias existentes na resposta das massas ao filme com intuito de usar as causas de tais comportamentos como justificativa. Apontam as possíveis causas das revoltas como razão para inocentar e legitimar falhas em seus sistemas político, cultural e social.

Intolerância existe em todas as sociedades, inclusive nas ocidentais. O problema é que toda vez que algum exemplo de intolerância eclode na região, as primeiras análises buscam encontrar causas externas para tais fenômenos em vez de apontar as falhas internas e, a partir daí, oferecer soluções.

Certas estruturas e valores político-sociais fomentam intolerância e desrespeito ao próximo. Liberdade de expressão não é um dos elementos que produz intolerância, na verdade é o oposto. Desigualdade entre homens e mulheres, por exemplo, produz sociedades injustas. Quando um grupo tem privilégios sobre o outro, tal realidade acaba sendo aceita como norma e consequentemente replicado em todas as esferas sociais. Ou seja, o resultado é essa percepção dominar a visão geral e produzir sociedades menos tolerantes. O mesmo se dá com questões de liberdade de imprensa e outras liberdades essenciais.

O desafio dos países islâmicos está em aceitar as práticas e valores democráticos. Existem diversos modelos democráticos, mas certos valores são inalienáveis quando se fala em democracia. Portanto, se tais valores não forem incorporados, o resultado é evidente: não teremos democracias e consequentemente todos os seus subprodutos – dentre eles a tolerância.

O mundo Islâmico precisa de realismo que aponte aonde estão os problemas e não de posições politicamente corretas que relativizem interpretações sobre o que é ser democrático. Relativismo não vai ajudar a produzir as estruturas capazes de melhorar a qualidade de vida de todos os muçulmanos.

Publicado em 20/09/2012

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