domingo, 24 de novembro de 2013

Ônibus interestadual caro explica a diferença entre PT e PSDB

Como dizem economistas como Allan Greenspan e Paulo Guedes, a diferença entre liberalismo e socialdemocracia é que a primeira corrente enfatiza a importância da eficiência econômica como meio para combater a pobreza e melhorar a qualidade de vida, enquanto a segunda enfatiza a necessidade de instituir mecanismos de distribuição de renda externos ao mercado para chegar a esses resultados. Seguindo basicamente a mesma linha de raciocínio, o cientista político Alberto Carlos Almeida afirma que o PSDB é um partido de "centro-direita", por sua preocupação com a eficiência econômica, enquanto o PT é um partido de "centro-esquerda", já que mais preocupado com a questão da igualdade. Hummm... 


Almeida já escreveu um livro bem interessante, A cabeça do brasileiro, mas os artigos que ele escreve na Época são um festival de distorções úteis ao projeto de poder do PT, conforme já destaquei aqui. É bem o caso dessa avaliação das diferenças entre os dois partidos. Ele supõe que a política brasileira é polarizada por um embate entre liberalismo, à direita, e socialdemocracia, à esquerda, tal como ocorre nos EUA e Europa. O problema é que, no Brasil, a tal "direita" não é e nem nunca foi liberal, o que torna perfeitamente possível um partido brasileiro tomar iniciativas em favor do livre mercado e da elevação da eficiência econômica sem deixar de ser de esquerda e, portanto, distributivista.

É bem esse o caso do PSDB, que privatizou empresas estatais ineficientes, tomou medidas importantes para disciplinar os gastos do Estado - como a Lei de Responsabilidade Fiscal -, e foi também responsável pela instituição, em 2001, dos primeiros programas federais de transferência de renda, posteriormente unificados no Bolsa Família. Nos anos 1990, Roberto Campos comentou numa entrevista que FHC havia realizado reformas relevantes para desenvolver a economia de mercado, mas acrescentou, com propriedade, que esse presidente não era um defensor convicto e enfático desse sistema. A fala dele (vou citar de memória) foi mais ou menos a seguinte: "Fernando Henrique teve um papel importante na defesa da economia de mercado, mas ele não a ama". 

Ora, qual é a razão de ter cabido a alguém que não "ama" a economia de mercado fazer reformas necessárias para desenvolvê-la? Um exemplo pontual, mas que responde a essa questão perfeitamente, é o transporte interestadual de passageiros, conforme trechos da matéria Vá de ônibus e pague caro, abaixo: 
O passageiro que quiser ir de ônibus do Rio de Janeiro para São Paulo, ou vice-versa, e chegar à Rodoviária Novo Rio ou à do Tietê, em São Paulo, pode optar entre os serviços de quatro empresas: Expresso do Sul, Expresso Brasileiro, Autoviação 1001 e Itapemirim. Em tese, essa concorrência deveria resultar em variações de preço para o consumidor. Mas não é isso que ocorre. Os preços cobrados para uma passagem num ônibus convencional são os mesmos em todas as empresas – e todas seguem o teto fixado para a tarifa pela Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT), o órgão criado em 2001 para regular e fiscalizar o setor de transportes. A prática de preços idênticos em todas as empresas também acontece em outras linhas de ônibus interestaduais lucrativas do país, como São Paulo-Belo Horizonte ou Rio de Janeiro-Belo Horizonte. Na comparação com os Estados Unidos, um país de dimensões continentais semelhantes às do Brasil, o passageiro paga aqui até 150% a mais por quilômetro (leia a tabela abaixo).
[…] Na ANTT, existe uma Gerência de Defesa do Usuário e da Concorrência para fiscalizar as empresas e inibir os comportamentos oligopolistas. Mas, 11 anos depois de sua criação, é a própria ANTT que parece necessitar de uma fiscalização. Desde 2008, a agência descumpriu uma ordem do Supremo Tribunal Federal (STF), inúmeras recomendações do Ministério Público Federal (MPF) e várias decisões do Tribunal de Contas da União (TCU) para fazer algo que poderia abrir o mercado das viagens de ônibus para mais concorrência: lançar o edital de licitação das linhas interestaduais. 98,5% das concessões das linhas interestaduais nunca foram licitadas. Várias são da década de 1950. Três empresas que fazem a linha Rio-São Paulo têm as mesmas concessões desde 1951, sem nunca ter participado de um processo licitatório. A linha Belo Horizonte-Rio de Janeiro está com a Viação Cometa e a Útil desde 1956.
Em 1998, o então presidente Fernando Henrique Cardoso baixou um decreto com o objetivo de dar fim a essas licenças infinitas. O decreto determinou que as concessões teriam um prazo improrrogável de 15 anos, contados a partir de 1993, e que as licitações teriam obrigatoriamente de ser realizadas em 2008. Antes mesmo de o prazo expirar, o então presidente do STF, Gilmar Mendes, numa decisão de setembro de 2008, deixou claro: "Se a União e a ANTT não adotarem as providências necessárias para a abertura do procedimento licitatório até a data de 6 de outubro, ocorrerá, de fato, lesão à ordem pública". Apesar disso, a ANTT vem protelando as licitações, não atende às exigências dos órgãos fiscalizadores e lança cronogramas com prazos para os editais, nunca cumpridos.
A matéria prossegue detalhando a cara de pau dos expedientes utilizados pela ANTT, sob os governos petistas, para adiar o cumprimento de determinações legais e manter esse mercado tal como era nos governos JK, Jânio, Jango, de todos os presidentes militares, Sarney, Collor, Itamar, até o final do primeiro mandato de FHC. O transporte interestadual de passageiros é um exemplo a comprovar que o padrão histórico de relacionamento do Estado brasileiro com as grandes empresas é casuísta, particularista e joga contra a competição, independentemente de o governo de turno ser de esquerda, de direita, democrático ou autoritário.

Num país assim, portanto, não tem o menor cabimento dizer que um determinado partido é de direita ou de centro-direita só por fazer algumas reformas favoráveis à intensificação da concorrência e à elevação da eficiência econômica. Logo, é possível que Alberto Carlos Almeida tenha escrito que o PSDB é de centro-direita por ter pouco conhecimento da história política do Brasil, o que o leva a raciocinar com base num esquema teórico geral sobre as diferenças entre esquerda e direita. Ou então ele aplicou indevidamente esse esquema à realidade brasileira no intuito de legitimar a mentira petista de que a polarização PSDB versus PT seria uma disputa entre direita e esquerda. Na verdade, a disputa se dá entre dois partidos de esquerda, enquanto a direita liberal está ausente. 

O Brasil precisa de um partido liberal e democrático para polarizar com o PSDB. Um sonho muito, mas muito distante mesmo! Afinal, quando surge alguma alternativa política, como se vê agora, é à esquerda do PT...

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5 comentários:

  1. Irônico é que, nesses casos, ocorre um dos extremos: as empresas operantes podem entrar em conluio e prestar um serviço meia-boca, se aproveitando do monopólio, ou pode surgir uma competição no serviço em si, não na tarifa (veículos melhores e mais confortáveis, p.ex.). O padrão da Rio x São Paulo cai mais para este último tipo.

    Alguém pode não concordar com a economia de mercado mas abraçá-la por puro pragmatismo, como fizeram PSDB e PT quando viram que não havia outra escolha. A diferença é que o PT precisa conformar a quadratura do círculo quando mantém a retórica anti-mercado com as ações liberalizantes. Aí vemos uma privatização meia-boca, cheia de dinheiro estatal...

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  2. "É bem esse o caso do PSDB, que privatizou empresas estatais ineficientes". Fico pensando na "ineficiência" da Vale do Rio Doce, pobrezinha.

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    1. De fato, a Vale era ineficiente mesmo. Prova disso é que os lucros da empresa se multiplicaram por dez após a privatização, conforme os petralhas que agem na internet reconhecem quando querem criticar a privatização da Vale. O argumento deles é que teria sido um "crime" vender a empresa porque o lucro que esta gera atualmente, em apenas um ano, é maior do que o preço pago no leilão de venda da empresa. Eles só se "esquecem" de contar duas coisas: a) que os lucro não seriam grandes assim se a empresa tivesse continuado estatal; b) que o Estado brasileiro não vendeu todas as ações que tinha da empresa, mas apenas o suficiente para transferir o controle acionário. O resultado disso é que o Estado brasileiro continua a controlar, direta ou indiretamente, 41% do capital votante da Vale. Resultado que os petralhas não contam: os dividendos recebidos pela União por conta de sua participação acionária na Vale são muito maiores hoje do que eram antes de a empresa ter sido vendida. É melhor ser sócio de uma empresa grande e eficiente do que dono de uma empresa pequena e que dá pouco lucro.

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    2. Prezado Luiz Lopes Diniz Filho, suas contradições são tão visíveis quanto uma baleia na bacia, saltam aos olhos

      Você reclama que os professores - ressaltando o caso da USP - doutrinam os seus alunos sob marxismo em suas aulas, o que eu até concordo. Acusa também professores "petralhas" de fazerem o mesmo nas escolas. O que acontece, porém, é que você faz ainda pior nas sua aulas. Você pede uma "escola sem partido", mas na verdade, o que quer mesmo é a substituição do PT pelo PSDB. Suas aulas são insuportáveis, porque não são aulas, e sim uma entrevista auto realizada com as suas opiniões sobre o mundo.

      O caso da Vale ilustra isso. Você enviesa os fatos conforme a sua ideologia. Esse argumento que você utilizou é velho e não é seu. Já o li na Veja quinhentas vezes. O que ocorre é que você critica os geógrafos - e com uma certa razão - de ignorarem os fatos e dados, produzindo afirmações sem fundamento. Mas - adivinhe só! - você faz exatamente o mesmo. Falou que o lucro da Vale foi grande por causa da iniciativa privada. Onde estão as provas? Como eles conseguiram lucrar seis vezes o preço da estatal em seis meses? Milagre! Além disso, para o desinformado em questão, o patrimônio da Vale do Rio Doce, antes da venda, era superior a 92 bilhões de reais: http://agenciabrasil.ebc.com.br/noticia/2007-09-11/jurista-defende-processo-contra-responsaveis-por-%E2%80%9Cfraude%E2%80%9D-na-privatizacao-da-vale

      Atualmente, a Vale do Rio Doce, ampliou os seus lucros. Sim, é verdade, invadindo áreas indígenas e destruindo reservas ilegalmente dentro e fora do Brasil. Com a privatização, o governo conseguiu o que queria, que era transferir um recurso altamente estratégico para a mão invisível e cega do mercado, que se coloca acima das leis. Mas como você diz, o problema são os "posseiros do Estado" (que piada, isso é sério?).

      Os dividendo da Vale são altos para o governo hoje. Altos quanto? O lucro seria muito maior com o Estado 100%, pois a Vale já era lucrativa. Afinal, uma empresa de mineração em um país de formações geológicas antigas e com dimensões continentais tem tudo para ter infindáveis lucros. Os acordos realizados e o aumento do poder de influência do governo (que você chama de "petralha" reproduzindo feito papagaio os colunistas da Veja) no continente africano possibilitaram a expansão dos lucros dessa empresa lá.

      Com todo respeito: os seus livros são doutrinários, suas aulas são doutrinárias e não há razão para você fazer tantas críticas ao governo com os melhores dados sobre a melhoria da qualidade de vida - que você sempre diz que são "distorções", porque é muito fácil repetir o velho argumento quando os dados não dizem o que você queria dizer.

      Você falando dos professores marxistas em sala de aula: o sujo falando do mal lavado.

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    3. As informações que eu citei saíram na Veja apenas porque são fatos incontestáveis, não porque sejam produtos de distorções ideológicas feitas pela revista ou por mim. Você pensa que essas informações nasceram na Veja porque ignora o posicionamento oficial do próprio PT sobre o assunto.

      Em 2007, com efeito, o deputado Ivan Valente foi autor do projeto legislativo n. 374, que dispunha sobre a realização de um plebiscito acerca da retomada do controle acionário da Vale do Rio Doce pelo Poder Executivo. O projeto foi encaminhado à Comissão de Assuntos Econômicos da Câmara, que avaliou a pertinência ou não de dar encaminhamento ao projeto. O relator do projeto na Comissão foi o deputado José Guimarães (PT-CE), irmão de José Genoíno.

      Ora, o relatório que ele publicou, desfavorável ao projeto, baseia-se em dados quantitativos e NÃO EXPRESSA SOMENTE A VISÃO DELE SOBRE O ASSUNTO, MAS A VISÃO OFICIAL DO PRÓPRIO PT.

      Seguem trechos do relatório de José Guimarães que desmontam tudo o que você disse:

      "De fato, pode-se verificar que a privatização levou a Vale a efetuar investimentos numa escala nunca antes atingida pela empresa, graças à eliminação da necessidade de partilhar recursos com o Orçamento da União, o que, naturalmente, se refletiu em elevação da competitividade da empresa no cenário internacional e permitiu a série de aquisições necessárias para o crescimento do conglomerado minerador a nível internacional."

      "Após a privatização, e em conseqüência do substancial aumento dos preços do minério de ferro, a Vale fez seu lucro anual subir de cerca de 500 milhões de dólares em 1996 para aproximadamente 12 bilhões de dólares em 2006. […] De fato, em 2005, a empresa pagou 2 bilhões de reais de impostos no Brasil, cerca de 800 milhões de dólares ao câmbio da época, valor superior em dólares ao próprio lucro da empresa antes da privatização."

      "O número de empregos gerados pela companhia também aumentou desde a privatização - em 1996, eram 13 mil e, em 2006, já superavam mais de 41 mil. Ademais, a União, além de ser beneficiária desses resultados através do BNDES, de fundos de previdência de suas estatais e de participação direta, ainda viu a arrecadação tributária com a empresa crescer substancialmente."

      "Assim, é de difícil sustentação econômica o argumento de que houve perdas para a União. Houve ganhos patrimoniais, dado o extraordinário crescimento do valor da empresa; houve ganhos arrecadatórios significativos, além de ganhos econômicos indiretos com a geração de empregos e com o crescimento expressivo das exportações. A rigor, a União desfez-se do controle da empresa, em favor de uma estrutura de governança mais ágil e moderna, adaptando a empresa à forte concorrência internacional, mantendo expressiva participação tanto nos ganhos econômicos da empresa, como na sua própria administração."

      "Pelas razões expostas, votamos pela rejeição do Projeto de Decreto."

      Tudo o mais que você escreve sobre questões trabalhistas e indígenas não passa de desculpa esfarrapada, pois as leis que protegem os direitos dos trabalhadores e dos índios valem para empresas estatais e privadas, e é a fiscalização de órgãos como o Ministério do Trabalho, Ministério Público e outros que garante o respeito a tais direitos, não a natureza privada ou estatal do controle acionário das empresas. Qualquer crime de natureza trabalhista, ambiental ou qualquer outro que uma empresa comete, se ficar impune, é por falha da fiscalização, não pelo fato de a empresa ser privada.

      Em resumo, você compra os discursos político-eleitorais do PT como se fossem verdade e, por ignorar os textos oficiais em que o partido reconhece os fatos que eu citei, fica pensando que tais fatos são distorções ideológicas.

      Nesse sentido, você mente quando diz que minhas aulas são doutrinárias. Só não sei se mente na cara dura, como os petralhas, ou se mente por ignorância do real posicionamento do PT sobre a venda da Vale.

      Aliás, esse tema merece um post. Faço isso noutra hora.

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