quarta-feira, 11 de abril de 2012

Pesquisador militante é como pesquisador criacionista




A charge acima ilustra uma das críticas mais conhecidas aos cientistas que procuram fundamentar o criacionismo: a de que eles violam um dos princípios fundamentais da metodologia científica, que é a exigência de partir das observações empíricas para formular teorias capazes de descrevê-las racionalmente. Esbarrei com essa charge na internet estes dias e me veio à lembrança uma mesa-redonda sobre educação no campo a que assisti em maio do ano passado. Na ocasião, uma doutoranda em geografia que integrava essa mesa começou sua palestra dizendo que, como não existe neutralidade científica, seu trabalho segue a perspectiva do "pesquisador militante"...

Tenha dó! Militante é alguém que defende uma causa (atividade essa que, em si mesma, não tem nada de errado). Em função disso, o militante procura convencer os outros da justeza e necessidade da sua causa fazendo uso da retórica, que consiste na elaboração de discursos visando justamente o convencimento do maior número possível de pessoas. Assim, é próprio da retórica o esforço para elaborar tantos argumentos quanto se puder para servir à causa, sendo que tais argumentos serão honestos ou não a depender da postura ética do militante. É próprio da retórica selecionar as evidências que devem ser postas em destaque e aquelas que é melhor deixar de lado, seleção essa guiada sempre pelo interesse na causa.

Ora, esse tipo de argumentação, embora válida nos campos do direito e da política, é incompatível com o trabalho de pesquisa! O cientista deve necessariamente tentar levar em consideração todas as evidências pertinentes ao seu objeto de estudo para produzir explicações científicas que sejam o mais detalhadas e fundamentadas possível. Um pesquisador não pode, em hipótese alguma, selecionar as evidências que interessam para comprovar suas convicções apriorísticas sobre qual é a explicação correta para um dado fenômeno e ignorar ou esconder aquelas evidências que não se encaixarem em tal explicação. Essa obrigação é válida quando se trata de testar uma hipótese de pesquisa que o cientista formulou antes de iniciar uma investigação empírica, e muito mais válida ainda quando se trata de alguma concepção religiosa ou ideologia política.

É justamente por assumirem essa postura do "pesquisador militante" (uma contradição em termos) que os geógrafos contemporâneos deixam de produzir ciência para fazerem retórica político-ideológica em favor de causas. A política nacional de reforma agrária é o exemplo mais eloquente disso, pois, conforme eu já indiquei no artigo Agricultura e mercado no Brasil, os geógrafos rurais selecionam informações estatísticas e argumentos movidos pelo desejo de comprovar a necessidade e justeza do projeto de "reforma ampla e massiva", e isso sem se importarem com a falta de sustentação empírica desses argumentos e nem com as contradições lógicas entre um argumento e outro! Não só atuam como militantes disfarçados de cientistas como ainda conseguem ser militantes dos piores, já que seus argumentos afrontam a realidade de tal forma que acabam constituindo mentiras, pura e simplesmente.

O criacionista tem a verdade da sua religião e busca os fatos que possam servir para fundamentá-la cientificamente. O pesquisador militante tem a verdade da sua ideologia e, em nome dela, age do mesmo modo que os criacionistas.

6 comentários:

  1. Excelente artigo! Compartilhei em minha página no Facebook e agora quem está levando tomatadas da patrulha ideológica militante sou eu!

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    1. Faz parte, faz parte... Se você não quiser levar tomatadas sozinho, pode reproduzir os comentários militantes do seu face aqui na área de comentários do blog. Aí eu faço um comentário sobre os comentários. A gente leva tomatada mas também manda ver!

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    2. muito bom o seu blog! Parabéns.
      Gostaria muito de receber atualiaçoes por email.
      grata
      =)

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    3. Que bom que voce gostou. E so ir ao fundo da pagina e entrar com o seu endereço de email no campo indicado para receber as atualizaçoes.

      P.S. Desculpe pela falta de acentos.

      Abs

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  2. Lendo esse seu texto me veio a mente que você provavelmente nunca fez uma uma pesquisa científica.
    Uma das etapas fundamentais de um projeto de pesquisa e de uma pesquisa científica é a definição do problema e, consequentemente, a delimitação do seu objeto. Ora, qualquer boa/bom cientista sabe que os fatos além de estarem espalhados de maneira assistemática por aí não falam por si só. Um dos trabalhos da/o pesquisador/e é explicá-los, mas tendo em mente que essa explicação é parcial, limitada e, pasme, possui pressupostos teóricos e ideológicos!
    O/A pesquisador/a militante, ao contrário do que você diz, é honesta/o o suficiente em assumir que possui determinada perspectiva ideológica e, a partir disso, desenvolve sua pesquisa, ao contrário desse "cientista"(que não existe) que você defende.
    Que tal ao invés de ficar com essa crítica revestida de imparcialidade aí vc não expõe a origem de seus pressupostos? o dualismo cartesiano e a configuração linear espaço-tempo de newton mandam lembranças.

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    1. Se você acha que eu nunca fiz pesquisa científica, leia os trabalhos que eu publico e também a minha tese de doutorado. Excetuando-se os trabalhos em que o objeto é a geografia crítica, e não um fenômeno espacial ou socioeconômico, eu procedi inicialmente à definição do objeto de estudo e à explicitação dos pressupostos teóricos e metodológicos que embasam as conclusões. E, mesmo no caso da análise crítica dos discursos geográficos, eu tomo o cuidado de definir o meu objeto, que é a geocrítica, e esclarecer os critérios utilizados nessa definição. Ver o livro “Por uma Crítica da Geografia Crítica”, em que isso é feito logo na Introdução.

      E é falso dizer que o intelectual militante tem a honestidade de reconhecer o conteúdo ideológico do seu trabalho enquanto os outros fazem a mesma coisa, mas se fingem de neutros e imparciais. A diferença entre os dois é que o militante disfarçado de cientista manipula intencionalmente as informações e faz contorcionismos retóricos com o objetivo de comprovar os pressupostos teóricos e ideológicos estabelecidos de antemão. Prova disso está no post "CQD: Pesquisador 'crítico' da reforma agrária assume que age como criacionista", publicado aqui neste blog. Já aqueles que, como eu, defendem o compromisso com a objetividade, usam as evidências factuais para checarem se os pressupostos teóricos são eficazes ou não, i. e., se são capazes de dar coerência lógica às observações empíricas. Caso as observações empíricas não sejam coerentes com tais pressupostos, então estes devem ser abandonados e substituídos por outros mais eficazes. Eu, por exemplo, pensei em usar a teoria marxista da valorização do espaço para explicar a desconcentração econômica brasileira, tema do meu doutorado. Mas, ao longo da pesquisa, concluí que essa teoria é apenas uma versão restrita da teoria dos custos de aglomeração e, sendo assim, decidi substituí-la por outra, mais eficaz.

      Enfim, é justamente pelo fato de os intelectuais militantes agirem como criacionistas que eles acabam chegando a conclusões facilmente desmontáveis à luz dos fatos. Tanto no meu doutorado quanto no livro citado e em vários artigos científicos, eu demonstro que as ideias que os intelectuais e professores militantes divulgam e ensinam são mentiras porque contradizem os fatos. E aqui mesmo, no blog, eu exponho várias dessas mentiras que os militantes contam supostamente em nome do bem. Ver, por exemplo, os marcadores “Fome”, “Geografia Rural” e “Doutrinação”, entre outros.

      Finalmente, seu comentário final já mostra que você partilha das críticas de tipo pós-modernista à razão e ao método científico. Tais pressupostos são contraditórios, vagos, meras "profunditudes". Pesquise o que já escrevi sobre Fritjof Capra aqui no blog.

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