Certa vez, o filósofo Roberto Romano disse algo que sintetiza muito bem a situação da academia brasileira nestes tempos em que o pensamento supostamente crítico é hegemônico. Vou citar de memória: do modo como está indo, defesa de tese vai ser feita em praça pública, a aprovação do candidato vai depender dos aplausos da plateia, e o título não vai ser de doutor, mas de companheiro. É triste dizer, mas o Instituto de Economia da Unicamp, principal centro de pensamento econômico de esquerda no Brasil, parece ter comprovado que já chegamos praticamente nessa situação. É só ler a matéria da Época sobre como o atual ministro da educação, Aloizio Mercante, tirou o seu título de companheiro, digo, de doutor.
A matéria informa que Mercadante ingressou no curso de doutorado do IE-Unicamp em 1995 e o abandonou ao se eleger deputado federal pelo PT, em 1998. Foi readmitido em 2010 por solicitação do professor Mariano Laplane, que substituiu Maria da Conceição Tavares na condição de orientador do trabalho. Apenas dois anos depois, Mercadante virou doutor por haver requentado um livro que publicara para cantar as glórias dos dois governos Lula, os quais ainda não tinham nem acabado no dia da defesa.
O título irônico da matéria, com o referido link, é este: Louvor e distinção. Abaixo, reproduzo apenas dois parágrafos do artigo, que é extenso e muito bem feito:
Mercadante foi readmitido no doutorado com a aparição de um novo orientador – Laplane, e não mais Maria da Conceição Tavares. Um novo tema – já que não havia governo Lula quando ele apresentou seu primeiro projeto. E, o mais surpreendente, sem uma contribuição ao conhecimento que pudesse ser considerada original. Como ele mesmo contou na introdução, e reiterou no dia da defesa, a tese era, nas suas próprias palavras, uma "versão muito mais densa e ousada" de um livro já publicado sobre os dois governos Lula: "Esta tese tem como ponto de partida o livro Brasil: a construção retomada, que publiquei no segundo semestre de 2010". Foi essa "versão mais densa e ousada" de obra já publicada que a Unicamp aceitou como primeira versão completa da tese – e que, ao final, foi carimbada pela banca examinadora.
Seria, de algum modo, academicamente aceitável apresentar uma tese baseada num livro já publicado? A obrigatoriedade de dar uma contribuição original está definida, com toda a clareza, no Regimento Geral dos Cursos de Pós-Graduação da Unicamp (Deliberação CONSU-A-008/2008, disponível em http://www.pg.unicamp.br). O Artigo 31, no parágrafo 3, afirma: "Entende-se por tese de doutorado o trabalho supervisionado que resulte em contribuição original em domínio de conhecimento determinado".
Só para completar, lembro que a tese segundo a qual o governo Lula representou uma ruptura ou uma novidade histórica não se sustenta. É só comparar as coisas que a primeira orientadora do trabalho escreveu antes e depois de Lula chegar ao poder para constatar isso. Tratei do assunto nos textos indicados mais abaixo:
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CARVALHO, L. M. Louvor e distinção. Época, n. 720, p. 50-58, 5 mar. 2012.
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CARVALHO, L. M. Louvor e distinção. Época, n. 720, p. 50-58, 5 mar. 2012.
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E o mérito passou longe....
ResponderExcluirKatlyn Moreira