De fato, o discurso nacionalista não serve apenas a certas críticas de esquerda e de direita contra o livre comércio, mas também, e talvez até principalmente, aos interesses de grandes industriais que preferem se abrigar da concorrência internacional a correr o risco de competir abertamente. A Fiesp é o melhor exemplo de como grandes industriais podem ser os primeiros a se posicionar a favor do protecionismo e de outras formas de intervenção estatal na economia em nome do "interesse do país" em ter uma "indústria forte".
A economista Lídia Goldenstein comenta até que os empresários brasileiros chegam a assumir posições "esquizofrênicas" quando tratam da questão, citando como exemplo João Amaral Gurgel, o já falecido dono da montadora de veículos que levava seu sobrenome, falida em 1996. Em suas aulas, ela contava que esse empresário, cuja fábrica ficou famosa por produzir o primeiro automóvel totalmente nacional, debatia políticas industriais alternando, em questão de meia hora, afirmativas em favor do livre mercado com reivindicações protecionistas. E, quando questionado sobre esse, digamos, paradoxo, saía-se com a metáfora de que a indústria nacional é como uma plantinha, que precisa ser cuidada até que esteja forte o bastante para sobreviver sozinha num mercado altamente competitivo...
Mas, se os grandes empresários usam metáforas agrícolas e discursos nacionalistas mais ou menos explícitos para defender seus interesses, o que fazem os pequenos empresários? Apelam para o nacionalismo e também para qualquer outra ideia que possa servir de justificativa para que sejam subsidiados, protegidos e "ajudados" de todas as formas pelo Estado.
A melhor demonstração disso são os agricultores familiares (agroecológicos ou não) que se fazem representar pela Via Campesina e outras organizações do gênero. Por meio de conceitos como "lógica da produção camponesa", "segurança alimentar" e "multifuncionalidade do campo", essas organizações e seus intelectuais acólitos divulgam discursos que satanizam de todas as formas a agricultura patronal de grandes propriedades e enaltecem as supostas virtudes que seriam intrínsecas à agricultura familiar - e como se esta não fosse extremamente heterogênea, em todos os sentidos.
Realmente, basta ler textos de geografia rural para ver como a Via Campesina e o MST proclamam que a agricultura "camponesa" é mais produtiva, gera mais empregos (uma contradição em termos, pois o uso intensivo de mão de obra implica baixa produtividade do trabalho), é ecologicamente sustentável, produz alimentos mais saudáveis, enriquece a cultura, produz belas paisagens, e assim por diante. E, tal como certos industriais tendem a pintar a si mesmos como bravos patriotas em luta contra multinacionais ciclópicas, os agricultores familiares se apresentam como pobres coitados que travam uma guerra desigual contra grandes corporações agrícolas e que produzem sem visar lucro (o que é mentira, já que vendem seus produtos por preços superiores aos custos de produção, como qualquer empresa capitalista, grande ou pequena).
Belas intenções. Mas quanto eles querem?
Ora, eu não sou aprioristicamente contrário a qualquer tipo de política que vise melhorar os sistemas produtivos. Aceito políticas de financiamento voltadas para a modernização tecnológica, mas desde que tenham metas claras a atingir, duração de tempo limitada, meios objetivos de averiguar o cumprimento ou não das metas, riscos compartilhados entre os agentes envolvidos e, por fim, transparência nas etapas de formulação, execução e avaliação de resultados. Posso aceitar, portanto, políticas industriais que visem estimular inovações e aumentar a produtividade ou mesmo programas de financiamento que favoreçam a conversão de propriedades agrícolas convencionais em propriedades agroecológicas, contanto que respeitadas as condições já mencionadas.
Contudo, os discursos aparentemente muito bem intencionados de industriais e "camponeses", assim como de seus intelectuais apoiadores, costumam desembocar em propostas que implicam proteção contra a concorrência externa, subsídios à produção e até subsídios para não produzir nada, como se vê no caso da política agrícola europeia! As provas mais explícitas disso estão nos comentários que certos produtores agroecológicos fizeram a alguns textos publicados neste blog, conforme se pode ler aqui e aqui. Eles acusam as grandes empresas de controlar os meios de comunicação, o legislativo e até a vigilância sanitária, e ainda defendem que o Estado preste "ajuda" à agroecologia dizendo que, se os grandes empresários do campo são beneficiados, por que os pequenos não deveriam ser, poxa vida?
Sempre que eu vejo um representante do setor industrial ou dos tais "camponeses" falar em nome dos interesses da nação, da saúde pública, do meio ambiente e da cultura, vou logo preparando a carteira; em meia hora, ele apresenta a conta.
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GIAMBIAGI, F; NONNENBERG, M. As vacas sagradas (IX): o protecionismo. In: GIAMBIAGI, F. Brasil, raízes do atraso: paternalismo X produtividade. Rio de Janeiro: Elsevier, 2007.
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