sexta-feira, 18 de abril de 2014

Sempre tentam interditar o debate sobre a geografia crítica

Nos últimos anos, eu tenho apontado as maneiras pelas quais os geógrafos contemporâneos evitam admitir a hegemonia da geocrítica e contornam a necessidade de debater aprofundadamente o que foi e o que é essa corrente do pensamento geográfico (Diniz Filho, 2002; 2013). Recentemente, um comentário publicado neste blog exibiu uma forma nova de interditar esse debate, conforme segue:
Você desemboca naquela perpétua polêmica entre "liberalismo" e "esquerda", incluso essas brigas internas, corporativistas sobre o que é, ou não é, "geografia critica", que não pode ser resolvida pelos geógrafos - cabe aos historiadores da ciência e das idéias, daqui em 50 anos.
Mas sim: o determinismo geográfico hoje serve para negar as causas sistêmicas, profundamente humanas, dos mal-estares sociais, inculpando supostas naturezas
Minha resposta a essa passagem foi que, em primeiro lugar, é falso que eu oponho liberalismo e esquerda. No post A Culpa da Nossa Direita, entre outros, eu deixo bem claro que a direita brasileira é e sempre foi antiliberal, razão pela qual tem o PT como aliado político preferencial.

Em segundo lugar, não existe nenhum "corporativismo" na discussão sobre o que é a geografia crítica, mas tão-somente um debate científico sobre a validade ou não dos métodos e teorias produzidas por essa corrente que é hegemônica na geografia.

Quanto a dizer que precisamos esperar 50 anos para os historiadores da ciência tratarem da geocrítica, nunca vi desculpa mais esfarrapada para interditar questionamentos a essa corrente, tendo em vista que: 

a) não tem cabimento supor que historiadores da ciência são mais competentes para avaliar criticamente uma escola de pensamento geográfico do que os próprios geógrafos!

b) A geocrítica surgiu já faz, por baixo, 40 anos; será possível que isso já não é distanciamento histórico suficiente para avaliá-la? Ainda precisamos esperar mais meio século? Ou será que só se pode debater uma corrente teórica depois que ela tiver desaparecido?

Quanto a dizer que o determinismo tem servido para negar as causas sociais dos problemas da sociedade, isso é verdade. Mas aí também há duas observações a fazer:

a) A própria esquerda faz isso quando lhe interessa, conforme já demonstrei aqui e aqui

b) Autores que defendem as virtudes do capitalismo no combate à pobreza e na melhora das condições de vida da população também negam explicitamente que a natureza determine as diferenças de desenvolvimento entre os povos e situam a explicação desse fenômeno em "causas sistêmicas, profundamente humanas". Ver a respeito o livro Por que as nações fracassam?, de Daron Acemoglu e James Robinson, e também O mistério do capital, de Hernando De Soto.

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DINIZ FILHO, L. L. Certa má herança marxista: elementos para repensar a geografia crítica. In: KOZEL, S.; MENDONÇA, F. A. (org.). Elementos de epistemologia da geografia contemporânea. Curitiba: Ed. da UFPR, 2002.

DINIZ FILHO, L. L. Por uma crítica da geografia crítica. Ponta Grossa: Editora da UEPG, 2013.

3 comentários:

  1. Implícito neste argumento de que daqui 50 anos, a geocrítica poderá ser melhor avaliada do que hoje em dia está a premissa de que não vale a pena combatê-la, sequer divergir da mesma hoje. É como se "entendê-la" significasse capitular perante seus absurdos. Ou seja, a crítica só é permitida à geocrítica, mas não a seus críticos e ainda, como se estes também não tivessem mérito nenhum para serem avaliados pelos futuros historiadores.

    Que o referido comentarista queira acreditar nisto é seu direito, mas que não venha depois, hipocritamente, advogar qualquer coisa que seja em nome da dialética porque sua postura é exatamente o contrário dela.

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  2. Atualmente os pressupostos da geocrítica estão tão impregnados na geografia que é até difícil para os estudantes de graduação, mestrado e doutorado perceberem que aquilo que eles acham ser senso comum é só um amontoado de baboseira ideológica, e que autores como Milton Santos, Vessentini, Haesbaert não produziram absolutamente nada que possa ser empregado como um método de pesquisa. Obviamente, pelo próprio fato de negar a ciência positiva (como se houvesse outra), elas acham que já estou fazendo trilhando rumos da ciência. No entanto, é fácil verificar que estes autores num propuseram uma hipótese que pudesse ser falseada anos depois. Alguns, como o Roberto lobato Correa, até passagem por um fase em que tentavam fazer isso, mas logo abriram mão. Até velho determinismo geográfico conseguia ser mais científico que o marxismo posterior, porque propunham teses que foram, ao longo dos anos, repetidamente, desmentidas.

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  3. É verdade Fernando, o determinismo geográfico, por mais equivocado que seja apresenta uma base empírica que pode ser observada e, em certos casos, dependendo da escala, testada. O marxismo nem isto, é pura pretensão totalizante de submeter a complexidade social em algumas variantes históricas selecionadas com fim determinado e previsível: a revolução. Enquanto que o determinismo geográfico peca por apresentar determinismo nas premissas, o marxismo conduz a um determinismo finalístico, teleológico. Em suma, uma espécie de religião.

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