O sucesso da dita "visão holística" de natureza em certos meios acadêmicos e políticos influenciados por autores como Fritjof Capra deriva de três elementos discursivos principais: o uso de chavões fáceis de entender para "explicar" a relação homem/natureza; o apelo ao catastrofismo para induzir o público a aceitar qualquer tipo de proposta de "salvação do planeta"; e acusações muitas vezes hipócritas contra a "lógica do lucro" e as grandes empresas.
Este blog tem colhido exemplos bem evidentes desses vícios retóricos na área de comentários dos posts. Um desses comentários diz textualmente isto:
Temos que lembrar é que somos a natureza e que desfrutar do que ha de recuros é um don natural porem não exaurir e comprometer a possibilidade futura.E então ( tudo está entrelaçado nada existe se não a presença de outros seres como a luz seria real se não houvesse algo para refletir?
O autor do comentário mostra involuntariamente como o discurso desses que citam Capra é contraditório. Todos os seres vivos usam o ambiente como recurso, conforme demonstra a biologia evolutiva, mas os críticos radicais da modernidade ou aqueles que propõem reconstruir a civilização com base numa "ética biocêntrica" dizem que não temos o direito de usar a natureza como recurso pelo fato de que esta não foi feita para o homem... Desnaturalizam o homem no momento mesmo em que afirmam a necessidade de vê-lo como parte intrínseca da natureza!
Depois, o comentário diz o óbvio ululante, isto é, que não podemos usar os recursos naturais até exauri-los. Ninguém é tolo de discordar disso, conforme eu mesmo já escrevi neste espaço: é preciso avaliar se as intervenções que estamos fazendo nos ecossistemas são sustentáveis ou não. Nesse sentido, o comentário expõe a contradição e fragilidade da noção de "ética biocêntrica": quando confrontada com a verdade evidente de que todo ser vivo usa a natureza como recurso, resta aos defensores desse tipo de discurso ético dizer que podemos usar recursos naturais, sim, mas sem levá-los à exaustão... Quanta sabedoria!
O "X" da questão é que a maneira correta de proceder à avaliação da sustentabilidade (seja lá o que isso signifique) não é insistir na visão romântica de natureza divulgada por autores como Capra, mas usar os métodos da ciência dita "newtoniana" mesmo. Foi com base nessa ciência que nós constituímos as tecnologias que alavancaram a expectativa de vida do homem nós últimos cem anos, afinal de contas.
Demonstrei isso noutro post (ver aqui) ao citar o fato de que a expectativa de vida dos povos caçadores-coletores nos primórdios da história era de ridículos 26 anos. A resposta a esse argumento foi a seguinte:
Sobre a natureza vc deve ta certo! ela tava doente nos estavamos doente não tinhamos problemas sociais que nos adoeceram, era sua imperfeição que era o problema para o homem, seus segredos, não tinhamos possibilidades de comer a 1000 anos atraz pq não tinha recuros.então vamos promover o agroecossitema querendo vida mas promovendo a morte.
Ora, eu nunca disse que a natureza é "doente" e nem que a "imperfeição" da natureza é um problema para o homem. Pelo contrário, eu disse que os ecossistemas são compostos por animais e plantas que vivem em "equilíbrio" mesmo. Nesse sentido, não há dúvida de que a natureza é "perfeita".
Só que essa "perfeição" reside no fato de os ecossistemas se basearem em relações simultâneas de cooperação e de competição por recursos, serem auto-organizativos e, por isso mesmo, apresentarem um equilíbrio dinâmico. Nesse sentido, é um sistema que não existe com a finalidade de garantir abundância de alimento e vida longa para o homem ou para qualquer outra espécie. Esse sistema apenas existe, e ponto.
É por isso que os povos primitivos tinham expectativa de vida de apenas 26 anos: eles começavam a procriar logo depois de entrar na puberdade, de modo que morrer aos 26 anos já era o bastante para deixar descendentes com idade próxima à de procriação. Isso é viver em equilíbrio com o meio, pois implica baixa densidade demográfica e, portanto, baixo impacto ambiental das ações humanas.
Sobre a retórica contra as grandes empresas e a economia de mercado, bem visível entre os produtores rurais agroecológicos, vou tratar no próximo post.
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Olá Luis! Podemos reformular essa "visão holística" para uma coisa menos boiolística (no sentido de boiar) ou é uma causa totalmente perdida? Por exemplo, segundo Aldo Leopold, "uma decisão sobre o uso da terra é correta quando tende a preservar a integridade, a estabilidade e a beleza da comunidade biótica. Essa comunidade inclui o solo, a água, a fauna e flora, como também as pessoas. É incorreto quando tende para uma outra coisa". Acho que essa seria uma visão holística ideal. Hoje há muitas ONG's que se dizem defensoras disso e daquilo, mas que se esquecem de olhar para o bem-estar das pessoas (o principal). Sei que muito complicado falar de ONG's num país como o nosso onde praticamente não existe sociedade civil, só um bando de vagabundos sustentados com verba pública, mas, em todo caso, creio que se não houver uma conscientização coletiva a tendência é só piorar. Das ONG's muito provavelmente não sairá nada de bom. Então, qual a saída? Se possível gostaria que você comentasse também, aqui ou em uma outra postagem, o vídeo desse energúmeno (https://www.youtube.com/watch?v=i3mX964w5XA).
ResponderExcluirAbraço
Olá, Dangus
ExcluirTalvez tenhamos aí dois sentidos diferentes para a expressão "visão holística". O holismo que eu critico é epistemológico, pois remete à visão romântica de natureza, segundo a qual esta deve ser entendida como um "todo" cujas partes (aí incluídas a sociedade humana) não podem ser entendidas separadamente. Esse tipo de holismo é absolutamente inviável, conforme ficou provado ao longo dos séculos XIX e XX, em que a racionalidade analítica da ciência newtoniana se mostrou a única capaz de explicar os fenômenos de forma clara, coerente e objetiva.
Já a citação de Aldo Leopold que você apresenta parece dizer respeito apenas a uma proposta de organizar o espaço e o uso dos seus recursos de um modo tal que contemple vários objetivos de ordem ambiental, socioeconômica e cultural simultaneamente. Se o sentido em que ele emprega tal expressão for esse, talvez a proposta dele seja interessante. Mas eu precisaria conhecer melhor essa proposta para saber.
Em suma, se "visão holística" for uma expressão empregada apenas num sentido operacional, i .e., como meio para realizar um dado projeto prático e político, então pode até ser interessante. Ainda assim, é preciso notar que o termo "sustentabilidade" já cumpre essa função, na medida em que diz respeito à construção de um, digamos, modelo de desenvolvimento capaz de compatibilizar múltiplos objetivos. E é um termo que, por isso mesmo, está carregado com muita imprecisão e polissemia.
Sobre o vídeo, não vou ter tempo de assistir agora. Quando der, eu dou uma olhada. Mas obrigado pela dica.