segunda-feira, 8 de outubro de 2012

Baixa qualidade do ensino médio se reflete na universidade em provas anedóticas

Não gosto de fazer inferências a partir de exemplos isolados, mas vou citar uma passagem escrita em uma prova que eu corrigi para dar uma ideia de como andam as coisas no ensino superior:
um exemplo é se uma pessoa vai ao mercado e compra uma moça, a única utilidade para a moça é comer mas se tem muitas moças nos mercados, chega um ponto que as pessoas ficam satisfeitas de moça, tanto faz uma ou mais moças, então o valor marginal da fruta em questão ira cair.

Ufa!, se não fosse a palavra "fruta" ao final do parágrafo, daria impressão de que essa passagem é uma sandice completa, quando o problema foi uma combinação de ortografia errada com caligrafia ruim. Ele pretendia escrever "maçã", mas se esqueceu todas as vezes de desenhar a "perninha" no primeiro "a", tal como a minha professora do pré-primário ensinou que devia ser feito, e de pôr o til no segundo "a"!

E quanto à afirmação de que "a única utilidade para a moça é comer"? O melhor para evitar ambiguidade seria dizer que a maçã só serve para ser comida, mas já que ele escreveu "moça", é preferível deixar quieto...

A propósito, a questão pedia que o aluno explicasse a teoria marginalista do valor e citasse um exemplo de aplicação dessa teoria na geografia econômica. O exemplo que ele formulou poderia servir para explicar parte da teoria, mas nada tem a ver com geografia econômica. Bom, se as deficiências de aprendizado da língua portuguesa são desse nível, querer muito aprendizado em geografia econômica já seria demais. Aliás, mesmo depois de um semestre estudando essa disciplina, diversos alunos continuam a escrever "econômia" em vez de "economia"!

E esses erros nem são dos piores que eu já tive oportunidade de ver. Há alguns anos, corrigi uma prova na qual o aluno, em um mesmo parágrafo, escreveu os verbos "iriam", "seriam" e "teriam" da seguinte forma: "irião", "serião" e "terião" (sic!!!). Acho que esse tipo de erro seria admissível no caso de um estrangeiro que tivesse estudado português por pouco tempo, mas uma pessoa nativa de um país de língua portuguesa e que ingressou em uma universidade... É o fim da picada!

Uma das maiores críticas feitas às cotas raciais e sociais é que estas nada mais são do que políticas demagógicas que visam escamotear o fato de que é a péssima qualidade do ensino fundamental e médio que explica a dificuldade das pessoas de renda baixa para ingressar nas universidades públicas. Concordo totalmente com essa crítica, especialmente considerando duas coisas: a) que os alunos de geografia são, na maior parte, oriundos de estratos de renda média baixa; b) que eu comecei a lecionar antes dessa política ser aplicada na UFPR, e o nível dos alunos não parece ter mudado desde então, nem para melhor, nem para pior. 

Noutros termos, avalio que as cotas não melhoraram o acesso dos alunos vindos da escola pública ao curso de geografia, pois eles sempre foram maioria, e que a má qualidade do ensino fundamental e médio continua sendo o verdadeiro grande problema do nosso sistema de ensino, pois restringe até o nível de aprendizado que pode ser exigido dos universitários! E olhe que eu ainda dei nota abaixo da média para a maioria esmagadora dos alunos. A gente faz o que pode.

3 comentários:

  1. Acabo de incluir seu blog na minha lista de links recomendáveis em

    http://adonaisantanna.blogspot.com.br/

    Se houver interesse, podemos unir esforços.

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  2. Mas é lógico, as cotas são medidas paliativas e com prazo para terminar. Enquanto não chegar a qualidade tão desejada, precisamos das cotas. Seria o caso de investir menos nas federais e mais no ensino básico. Absurda a diferença salarial entre professores universitários e do ensino básico, sendo que é muito mais dificil ensinar para esse público. E as cotas vão fazer a diferença em cursos de medicina e direito que são eletizados. Da uma olhada no sistema educacional de outros países, principalmente desenvolvidos, a maioria prioriza o ensino básico, o superior é pago, mesmo o publico.

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    1. Ali Kamel mostra que, em todos os países onde as cotas raciais foram instituídas, a desculpa usada era de que se tratava de uma medida temporária. Em todos eles, porém, as cotas acabaram se tornando permanentes, mesmo sem surtirem os efeitos desejados de combate ao racismo - pelo contrário. Quanto aos cursos de medicina, ditos elitizados, é bom notar que, se a política de cotas levar a um rebaixamento da qualidade, o preço da falsa inclusão social será a má qualidade de serviços médicos prestados por ex-cotistas. Já no caso de cursos como o de geografia, as cotas não mudam nada.

      Por fim, o post Filmes exibidos na escola dizem muito sobre o ensino e o país, publicado neste blog, apresenta uma evidência de que as cotas são dispensáveis para quem se esforça. No caso de cursos como o de geografia, em que a maioria sempre veio do ensino público, as cotas são inúteis.

      Mas estou de acordo que a má qualidade do nosso sistema de ensino está ligada à baixa eficiência na aplicação dos recursos. Noutra hora, se der, eu comento isso.

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