domingo, 2 de junho de 2013

Se existir uma "cultura negra", ela é homofóbica

Fonte: TURRER, R [com PEROSA, T.], 2012.
Estou entre aqueles que rejeitam a ideia de que existam identidades nacionais ou continentais. Mas concordo que existem valores que são mais disseminados entre os indivíduos que formam determinados povos, valores esses que acabam definindo comportamentos que tendem a ser predominantes dentro desses povos e que, por isso, acabam muitas vezes moldando as instituições de um país ou grupo de países. É por isso que, embora eu rejeite a visão de Gilberto Freyre sobre a existência de um "caráter nacional" brasileiro, concordo que esse autor conseguiu captar apropriadamente o fato de que o racismo nunca foi um elemento estruturador da sociedade brasileira, ao contrário do que se vê na história de outros povos.


Entretanto, as esquerdas, no afã de pintar o mundo como se ele fosse clivado por grandes antagonismos entre "dominantes" e "dominados", já produziu um sem-número de mistificações ideológicas sobre identidades coletivas. Enquanto os partidos comunistas ainda eram uma força política considerável, as esquerdas se apegavam principalmente à teoria da luta de classes; hoje, as teorias econômicas marxistas são mescladas a uma série de discursos que procuram estabelecer falsas identidades nacionais, de gênero, étnicas e até raciais! Dois exemplos disso são a tese de que a condenação do homossexualismo é produto de uma "moral burguesa" que seria produzida pelo capitalismo e os discursos que afirmam a existência de uma "cultura negra" que precisaria ser incentivada com recursos estatais para se fazer mais visível. A primeira visão (defendida por gente como Marilena Chaui) não passa de um determinismo econômico rombudo, daqueles produzidos pelo marxismo mais simplificador. Já a segunda tese não passa de racismo puro e simples, pois vincula raça e cultura de maneira direta, como se houvesse características culturais ou modos de pensar determinados pela genética dos indivíduos.

Mas não vou ficar agora tecendo considerações sobre os equívocos de visões como essas. Vou apenas indicar, como pequena evidência das contradições lógicas e políticas a que tais visões conduzem, um texto que demonstra cabalmente o fato de que a rejeição moral ao homossexualismo é uma característica amplamente generalizada no continente africano. Trata-se de Um apartheid para os gays, de Rodrigo Turrer e Tereza Perosa (2012), o qual informa que o homossexualismo é crime em 70% dos países africanos! Nesse sentido, aqueles que afirmam a existência de uma "cultura negra", como é o caso de Marta Suplicy, deveriam concluir, por uma simples questão de coerência, que a homofobia é um dos elementos constituidores dessa tal cultura. E Marilena Chaui precisaria explicar o que o capitalismo tem a ver com o tratamento indigno que os africanos dispensam aos homossexuais nos dias de hoje, visto que os países capitalistas mais desenvolvidos são justamente aqueles em que esse grupo dispõe de amplos direitos. Aliás, ela poderia aproveitar também para explicar o motivo de os comunistas cubanos terem mandado os homossexuais para campos de concentração nas décadas que se seguiram à revolução. Por fim, outra pergunta: se um grupo de músicos negros pedisse à Funarte apoio para gravar músicas com letras ofensivas contra os homossexuais, o pedido deveria ser atendido, visto se tratar de uma manifestação das tradições culturais dos povos da África?

Abaixo, apresento uma passagem da matéria citada que ilustra muito bem os paradoxos a que os discursos politicamente corretos nos conduzem. E aproveito para recomendar que os professores usem o mapa acima quando quiserem ensinar geografia da África - notem, aliás, que as diferenças religiosas entre os países da região não explicam as leis que criminalizam o homossexualismo:
A presidente reeleita da Libéria, Ellen Johnson Sirleaf, dividiu com outras duas mulheres o Prêmio Nobel da Paz de 2011 por sua luta pela emancipação feminina. O mundo inteiro aplaudiu. Única mulher a comandar um Estado africano até hoje, Sirleaf, de 73 anos, foi vista como uma governante africana diferente, sensível a grupos discriminados. Ou melhor, a nem todos os discriminados. Na semana passada, em entrevista ao jornal The Guardian, ao lado do ex-premiê britânico Tony Blair, Sirleaf defendeu a prisão de "praticantes de atos homossexuais", como estabelece a legislação da Libéria. "Temos certos valores tradicionais em nossa sociedade que gostaríamos de preservar", afirmou, diante de um inerte e surpreso Blair, que se limitou a falar de projetos de governança de sua ONG para o país.

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