segunda-feira, 3 de outubro de 2011

O ambientalismo dos geógrafos é demagogia esquerdista

Um dos mantras que não param de ser repetidos pelos intelectuais e professores brasileiros é o de que o capitalismo é, em si mesmo, antiecológico. Na geografia, vemos isso nos escritos de Ana Fani Alessandri Carlos, Marcelo Lopes de Souza, José W. Vesentini, e de tantos outros autores. Ideia sempre repetida com a ligeireza de quem pensa estar enunciando uma verdade tão evidente que não precisa ser comprovada. 


Mas o problema é que, no contexto de fracasso do socialismo, tal afirmação não passa de demagogia barata. Realmente, um dos estratagemas retóricos mais usados pelos intelectuais de esquerda consiste em ignorar o vazio de propostas da teoria social crítica para tornar possível um ataque permanente à sociedade capitalista. Nesse caso, o que se faz é estabelecer relações de causalidade muito vagas entre os problemas ambientais e a "lógica do capitalismo". 

Ora, mas se há problemas ambientais e incertezas muito sérias no mundo capitalista, isso não se deve à suposta contraditoriedade desse sistema e nem às desigualdades sociais, mas simplesmente ao fato de que o capitalismo levou o desenvolvimento das forças produtivas a níveis sem precedentes. Qualquer civilização que amplie a produção de riquezas exponencialmente produzirá impactos ambientais em escala crescente e pressionará sua base de recursos naturais de forma intensiva. No caso da sociedade capitalista, cuja economia é mundializada desde a origem, essa base de recursos é também mundial. 

Em vista disso, é preciso indagar: uma sociedade socialista deve ser aquela na qual todos têm igualmente acesso a um nível elevado de consumo ou uma sociedade igualitária em que os indivíduos encontram formas de realização pessoal que prescindem do consumo de muitos bens e serviços e, portanto, de grandes volumes de recursos? Se essa última alternativa for correta, impõem-se a questão de explicar qual é, afinal, o padrão de consumo que se deve considerar adequado para uma vida digna numa sociedade socialista. Mas existe algum critério objetivo para determinar isso? E qual é o estatuto teórico que garante que uma sociedade na qual inexistam o mercado e a propriedade privada estaria apta a encontrar um equilíbrio adequado entre produção de riqueza e conservação dos recursos naturais? Os elevados níveis de poluição e os desastres ambientais sem precedentes ocorridos no socialismo real desautorizam qualquer suposição de que haja uma relação necessária entre socialismo (seja lá o que isso for) e sustentabilidade ambiental. 

De outro lado, se uma sociedade socialista decidir gerar riqueza em volume suficiente para garantir a todas as pessoas conforto material em troca de poucas horas de trabalho diário, o resultado poderá ser uma grande crise ambiental, mesmo inexistindo acumulação capitalista ou desigualdades sociais. Nesse sentido, vale lembrar que Boaventura de Souza Santos (2007) – muito citado por geógrafos, por sinal – afirma que o socialismo deve rivalizar com o capitalismo na geração de riqueza e ao mesmo tempo superá-lo no "respeito à natureza e na justiça distributiva". Isso implica o reconhecimento de que o "socialismo do século 21", assim como o do século passado, terá necessariamente que explorar os recursos naturais do planeta muito intensamente para gerar um grande volume de riqueza materializado em bens de consumo privado e coletivo. Mas, nesse caso, fica claro que a construção do desenvolvimento sustentável é um desafio e uma incógnita para os projetos socialistas tanto quanto para o capitalismo. 

As críticas de autores como Ana F. A. Carlos (2007) aos estudos científicos e propostas de planejamento baseadas nos conceitos de ecossistema e de desenvolvimento sustentável não passam de demagogia barata, portanto, pois estudos como esses são necessários para qualquer sociedade tecnologicamente complexa e materialmente desenvolvida. Mas chamar o capitalismo de "antiecológico" é outra mentira aceita pelos geógrafos como se fosse verdade evidente por si mesma. Então, todo mundo repete. 

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CARLOS, A. F. A. A “geografia crítica” e a crítica da geografia. In: COLOQUIO INTERNACIONAL DE GEOCRÍTICA, 9., 2007. Disponível em: <http://www.ub.es/geocrit/9porto/anafani.htm> Acesso em: 18 ago. 2007. 

SANTOS, B. S. Socialismo do século 21. Folha de São Paulo, 07 de junho de 2007. 

3 comentários:

  1. "Conheça o inimigo antes de destruí-lo" (PEREIRA, C.Urbano - 2013). Esse é maior poder da Geografia. Pra você que criticou o Socialismo, informo que não deva ter conhecimento algum de Economia Solidária e muito menos de Agricultura Familiar, Energia Limpa e infinita. Enquanto houver petróleo o Capitalismo vai imperar mas quando os recursos naturais se esgotarem o que este sistema fará? Será o caos! Mas você não se importa, pois não estará mais aqui mesmo não é? Seu discurso é de uma ignorância medonha. Ah, já comeu biscoito de barro feito na hora no Haiti?

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    1. A economia solidária é limitada demais para configurar uma alternativa ao capitalismo, como demonstra o contraste entre a timidez dos resultados obtidos pelas cooperativas em que os ganhos são divididos ingualmente entre todos e o sucesso daquelas em que os lucros são proporcionais à produção de cada participante, como se vê, por exemplo, na COAMO, COCAMAR e outras do gênero.

      Sobre a agricultura familiar, basta ler o texto "Agricultura e Mercado no Brasil", na barra lateral deste blog, para ver que é totalmente falso associá-la com sustentabilidade ambiental.

      Já para ter uma ideia do que se pode fazer sob o capitalismo para lidar com a finitude dos recursos naturais do planeta é só ver a miríade de novas tecnologias que estão sendo desenvolvidas no setor energético, na informática e na ciência dos materiais em países capitalistas. Por seu turno, o socialismo engendrou os piores desastres ambientais da história, como Chernobyl e o desaparecimento do Mar de Aral, além de ter sido incapaz de acompanhar a terceira revolução tecnológica.

      Aliás, como escreveu Gorbachev, a URSS conseguia mandar o homem ao espaço, mas não era capaz de fazer uma geladeira que funcionasse direito. Claro, estatal não visa lucrar e, portanto, não se importa com as necessidades das pessoas. Se o socialismo não foi capaz nem de fazer geladeiras decentes, explica-se que também não seja capaz de criar as tecnologias a serem usadas para melhorar o aproveitamento dos recursos naturais. Quais foram as inovações surgidas em Cuba e na Coreia do Norte, os únicos países ainda comunistas do mundo?

      Por fim, o que é que o capitalismo tem a ver com o fato de haver gente comendo bolo de barro no Haiti? Os problemas do Haiti não derivam de características essenciais do sistema capitalista, conforme se depreende da leitura dos autores da escola institucionalista de economia, como Hernando de Soto.

      Esse truque de culpar o capitalismo pela pobreza de países pobres só faz sentido em se partindo de alguma das muitas teorias do intercâmbio desigual, as quais eu já desmontei no texto Os Equívocos da Noção de 'Regiões que Exploram Regiões', acessível na barra lateral deste blog.

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  2. Ótimo professor! Basta destes esquerdistas superficiais assaltando a ciência geográfica.

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